Publicação Eletrônica SEI! - CJF em 11/09/2024
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CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

Setor de Clubes Esportivos Sul - Lote 09 - Trecho III - Polo 8 - Bairro Asa Sul - CEP 70200-003 - Brasília - DF - www.cjf.jus.br

Acórdão Nº 0627688

PROCESSO 0000145-05.2023.4.01.8013
RELATOR: Conselheiro GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
INTERESSADO(S): SERVIDOR (SJRR) RUDINEI SAN MARTINS BHELING E SINDICATO DOS SERVIDORES DAS JUSTIÇAS FEDERAIS NO RIO DE JANEIRO-SISEJUFE
ASSUNTO: AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO


EMENTA

 

CONSULTA E PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. JORNADA ESPECIAL DE TRABALHO EM RAZÃO DE DEFICIÊNCIA OU DE CUIDADO COM DEPENDENTE NESSAS CONDIÇÕES. AFASTADA A REDUÇÃO DO AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 98, §§2° E 3º, DA LEI 8.112/1990, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI n.º 13.370/2016. ALTERAÇÃO NA RESOLUÇÃO CJF n.º 04/2008.

 

1. A concepção de inclusão requer que as relações, no caso a decorrente do vínculo funcional, também sejam inclusivas, com a supressão de barreiras à garantia do direito das pessoas com deficiência e não há dúvida de que a diminuição do valor do auxílio-alimentação é uma barreira clara ao direito reconhecido aos deficientes de jornada diferenciada de trabalho.

2. Embora a própria Lei n.º 13.146/2015 contemple a lactante como sendo “pessoa com mobilidade reduzida”, a exigir condições específicas de trabalho, conforme disciplina da Resolução CNJ n.º 343/2020, o mesmo não se pode considerar em relação ao servidor estudante que, nos termos do citado artigo 98 da Lei n.º 8.112/1991, não foi alcançado pela dispensa de compensação de horário, restrita ao servidor com deficiência ou com dependente em tal condição.

3. A natureza indenizatória do auxílio-alimentação apenas impede o seu recebimento pelos inativos, exatamente por não possuir caráter remuneratório, não havendo óbice ao pagamento retroativo aos servidores que, nas condições aqui consideradas, deixaram de receber a referida verba, cuja integralidade já havia sido reconhecida, pelo menos, desde a Lei 13.370, de 12.12.2016.

4. Consulta respondida negativamente e Pedido de Providência n.º 0001358-18.2024.4.90.8000 acolhido. Alterada a Resolução CJF n.º 4/2008.

ACÓRDÃO

O Conselho, por UNANIMIDADE, DECIDIU CONHECER DA CONSULTA E RESPONDÊ-LA NEGATIVAMENTE, entendendo-se pela impossibilidade de redução do valor a ser pago a título de auxílio-alimentação a beneficiárias ou beneficiários com condições especiais de trabalho na modalidade redução de jornada; bem como JULGAR PROCEDENTE o pedido de providência n. 0001358-18.2024.4.90.8000 para alterar a Resolução CJF 04/2008, garantido o pagamento dos valores em atraso, observada a prescrição quinquenal, nos termos do voto do relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luis Felipe Salomão. Plenário, 9 de setembro de 2024. Presentes à sessão os Conselheiros HERMAN BENJAMIN, LUIS FELIPE SALOMÃO, MOURA RIBEIRO, ROGERIO SCHIETTI, GURGEL DE FARIA, REYNALDO SOARES DA FONSECA, JOÃO BATISTA MOREIRA, GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, CARLOS MUTA, FERNANDO QUADROS e VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA e a Conselheira GERMANA DE OLIVEIRA MORAES (Suplente). Sustentou, oralmente, pela requerente, a advogada Letícia Maria Kaufmann - OAB/RS 120.160.

 

 


RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (RELATOR):

1. Trata-se de Consulta formulada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acerca da possibilidade de aplicação da interpretação conjugada do previsto no artigo 27, da Resolução CJF nº 4/2008, c/c Resolução CNJ nº 343/2020 e Resolução Consolidada PRESI 17/2021, para fundamentar a redução do auxílio-alimentação concedido aos beneficiários de condições especiais de trabalho na modalidade redução de jornada.

Esclarece que naquele Tribunal adota-se a interpretação normativa no sentido da possibilidade de redução do auxílio-alimentação em 50% (cinquenta por cento), conforme previsto na Resolução CJF nº 4/2008.

 

2. A Secretaria de Gestão de Pessoas do CJF se manifestou na Informação 0573363, noticiando que no Processo SEI n. 0001358-18.2024.4.90.8000, o Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio de Janeiro - SISEJUFE postula que se determine aos órgãos do Poder Judiciário vinculados a este Conselho a não redução do auxílio-alimentação dos servidores e servidoras que tenham deferida a jornada especial, com redução de horário, por serem pessoas com deficiência ou possuírem dependentes nessa condição, nos termos do art. 98, §§ 2° e 3°, da Lei 8.112/90, inclusive com alteração do art. 27 da Resolução CJF n. 4/2008, para assegurar essa exceção.

Considerando que os processos versam sobre tema idêntico, aquela Secretaria propõe que seja dada continuidade da análise da matéria naqueles autos, com a juntada destes autos naqueles, para apreciação conjunta pelo Colegiado.

Observa, ainda, que “para além da alteração que se propõe ao Processo Sei n. 0001358-18.2024.4.90.8000, no caso, importará ao Colegiado decidir também se a alteração, caso aprovada, deve ser aplicada a casos pretéritos, observada, certamente, a prescrição quinquenal”.

 

3. Diante da conexão existente, o Secretário-Geral do CJF determinou o apensamento do Pedido de Providências nº 0001358-18.2024.4.90.8000 aos presentes autos e a distribuição destes “com registro que há parecer de mérito e minuta de resolução juntados aos autos do 0001358-18.2024.4.90.8000”.

 

4. O Processo SEI nº 0001358-18.2024.4.90.8000 versa acerca de Pedido de Providências apresentado pelo Sindicato dos servidores das Justiças Federais do Estado do Rio de Janeiro-SISEJUFE, no qual se objetiva, mediante a alteração do artigo 27 da Resolução CJF 4/2008, evitar a redução do valor do auxílio-alimentação dos servidores e servidoras com jornada reduzida, em virtude de deficiência própria ou de seus dependentes, nos termos do artigo 98, §§2º e 3º, da Lei nº 8.112/1990.

 

5. Os autos do Processo SEI nº 0001358-18.2024.4.90.8000 foram enviados à Assessoria da Secretaria de Gestão de Pessoas, que apresentou proposta de alteração do artigo 27 da Resolução CJF 4/2008, para contemplar a seguinte redação ao §3º: Não se aplica o disposto no caput aos casos de concessão de jornada especial de trabalho para servidor(a) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou que tenham filhos(as) ou dependentes legais nessas condições, nem ao servidor(a) estudante e à lactante”.

 

6. Na Informação de nº 0580411, do Processo SEI nº 0001358-18.2024.4.90.8000, a Secretaria de Gestão de Pessoas pugnou pelo julgamento do presente Pedido de Providências juntamente com a Consulta nº 0000145-05.2023.04.01.8013.

Além disso, sobre o mérito da questão, se manifestou da seguinte forma:

 

A redução do auxílio-alimentação prevista no art. 27 da Resolução CJF n. 4/2008 também se encontra prevista no art. 6º do Decreto n. 3.887/2001, que dispõe sobre o auxílio-alimentação destinado aos servidores civis ativos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, no art. 11 da Resolução STJ n. 32/2012, do Superior Tribunal de Justiça, e no § 1º do art. 5º do Ato n. 89/DILEP.CIF.SEGPES.GP/2016, do Tribunal Superior do Trabalho. A esse respeito, confira-se:

 

Decreto n. 3.887/2001

Art. 6º O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor, cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas semanais, corresponderá a cinqüenta por cento do valor mensal fixado na forma do art. 3º.

 

Resolução CJF n. 4/2008

Art. 27. O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas semanais corresponderá a cinqüenta por cento do valor fixado para o benefício.

§ 1º Ocorrendo a acumulação de cargos a que alude o art. 25 desta Resolução e sendo a soma das jornadas de trabalho superior a trinta horas semanais, o servidor perceberá o auxílio pelo seu valor integral, a ser pago pelo órgão ou entidade de sua opção.

§ 2º Fica vedada a concessão suplementar do auxílio-alimentação nos casos em que a jornada de trabalho for superior a quarenta horas semanais.

 

Resolução STJ n. 32/2012

Art. 11. O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor cuja jornada de trabalho for inferior a trinta horas semanais corresponderá a 50% do valor fixado para o benefício.

 

Ato n. 89/DILEP.CIF.SEGPES.GP/2016

Art. 5º O pagamento do auxílio alimentação ao servidor efetivo do Quadro de Pessoal deste Tribunal e ao servidor ocupante de cargo em comissão sem vínculo efetivo com a Administração Pública é devido a partir da data de exercício no cargo, independente de solicitação.

 

Como efeito, a Resolução CJF n. 4/2008, ao prever a redução proporcional do auxílio-alimentação aos servidores com jornada reduzida para aquém de 30 (trinta) horas semanais, não veicula exceção expressa. No entanto, não se pode olvidar do espírito protetivo da norma da Resolução CNJ n. 343/2020, que traz em seus fundamentos o princípio da proteção integral à pessoa com deficiência. Nesse sentido, em que pese a proteção à "remuneração", constante do art. 4º do referido normativo, é possível que a intenção tenha sido mesmo resguardar o servidor que faz jus às condições especiais de trabalho de qualquer decréscimo nos valores percebidos.

 

Resolução CNJ 343/2020

Art. 4º Os(as) magistrados(as) e os(as) servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou que tenham filhos(as) ou dependentes legais nessa condição, poderão requerer, diretamente à autoridade competente do respectivo tribunal, a concessão de condição especial de trabalho em uma ou mais das modalidades previstas nos incisos do art. 2º desta Resolução, independentemente de compensação laboral posterior e sem prejuízo da remuneração.

 

É de se ressaltar, nesse sentido, a Portaria TCU n. 385/2018, que alterou a Portaria que dispõe sobre a concessão de auxílio-alimentação aos ministros, ministros-substitutos, membros do Ministério Público e servidores do Tribunal de Contas da União, e que prevê a inaplicabilidade da redução do auxílio-alimentação nos casos de concessão de jornada especial de trabalho para servidor estudante, lactante, com deficiência ou regime especial de jornada de trabalho.

 

Portaria TCU n. 91/2014

Art. 4º O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor, cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas semanais, corresponderá a cinquenta por cento do valor mensal.

§ 1º Não se aplica o disposto no caput aos casos de concessão de jornada especial de trabalho - consoante Portaria-TCU nº 138, de 28 de maio de 2008 - para servidor estudante, lactante, com deficiência ou regime especial de jornada de trabalho previsto na Resolução-TCU nº 212, de 25 de junho de 2008. (NR)(Portaria-TCU nº 385, de 21/12/2018, BTCU Administrativo nº 246/2018)

§ 2º Na hipótese de acumulação de cargos cuja soma das jornadas de trabalho seja superior a trinta horas semanais, o servidor perceberá o auxílio-alimentação pelo seu valor integral, a ser pago pelo órgão ou entidade de sua opção.

§ 3º Fica vedada a concessão suplementar do auxílio-alimentação nas situações em que a jornada de trabalho for superior a quarenta horas semanais.

 

Como se vê, o normativo do TCU, em que pese determine a redução do auxílio-alimentação para 50% do valor mensal àqueles cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas, excepcionou dessa regra os casos de concessão de jornada especial de trabalho, em que o pagamento integral do referido auxílio se dá independentemente da jornada. Como fundamento, a Portaria alteradora, em seu preâmbulo, se reporta à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) e considera que a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade das pessoas com deficiência é um dos princípios gerais constantes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. A esse respeito, confira-se:

 

Portaria TCU n. 385/2018

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, e tendo em vista o disposto no art. 93 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, e no inciso XXXIV do art. 28 do Regimento Interno do TCU,

considerando que a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade das pessoas com deficiência é um dos princípios gerais constantes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009; e

considerando as informações constantes do processo nº TC 025.040/2015-4, resolve:

[...]

 

Nesse sentido e à luz das normas protetivas dos direitos das pessoas com deficiência, entende-se que a adoção de tal procedimento seria a solução adequada ao caso em tela.

Caso o Colegiado assim entenda, sugere-se incluir dispositivo a determinar expressamente a não aplicação da redução de que trata o art. 27, caput, da Resolução CJF n. 4/2008 aos casos em tela, mediante acréscimo de § 3º ao referido dispositivo, conforme minuta de resolução (0580444), com o seguinte teor:

 

Minuta 0580444 - Resolução CJF n. 4/2008

Art. 27 [...]

[...]

§ 3º Não se aplica o disposto no caput aos casos de concessão de jornada especial de trabalho para servidor(a) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou que tenham filhos(as) ou dependentes legais nessas condições, nem ao servidor(a) estudante e à lactante.

 

É de se observar, por fim, que para além da alteração que ora se propõe, importará ao Colegiado decidir também se a alteração, caso aprovada, deve ser aplicada a casos pretéritos, observada, certamente, a prescrição quinquenal.

 

7. A Diretoria Executiva de Administração e de Gestão de Pessoas deste Conselho se manifestou, no Processo SEI nº 0001358-18.2024.4.90.8000, sugerindo que “em caso de entendimento similar”, seja incluído dispositivo na Resolução CJF n. 4/2008 que preveja, expressamente, a não aplicação da redução de que trata o art. 27, caput, aos casos em discussão, conforme a minuta de resolução proposta. Sugeriu, ainda, que o Colegiado decida também se a alteração, caso aprovada, deve ser aplicada a casos pretéritos, observada, certamente, a prescrição quinquenal.

 

8. É o necessário relatório.

 

VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (RELATOR):

1. Conforme relatado, a discussão envolve a redução do auxílio-alimentação para servidores que possuem jornada especial de trabalho em razão de deficiência ou cuidado com dependente nessas condições, conforme previsto no art. 98, §§ 2° e 3°, da Lei n. 8.112/1990, segundo o qual:

 

Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

(...)

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)

 

 

2. Nessa mesma linha, a previsão da Resolução CJF nº 4/2008

 

Art. 27. O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas semanais corresponderá a cinquenta por cento do valor fixado para o benefício.

§ 1º Ocorrendo a acumulação de cargos a que alude o art. 25 desta Resolução e sendo a soma das jornadas de trabalho superior a trinta horas semanais, o servidor perceberá o auxílio pelo seu valor integral, a ser pago pelo órgão ou entidade de sua opção.

§ 2º Fica vedada a concessão suplementar do auxílio alimentação nos casos em que a jornada de trabalho for superior a quarenta horas semanais

 

3. Por outro lado, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), ao tratar do direito da pessoa com deficiência à igualdade de oportunidades e à não discriminação, considerou como “discriminação em razão da deficiência”, no §1º do seu artigo 4º, “toda a forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência”.

 

4. Nessa linha normativa, a concepção de inclusão requer que as relações, no caso a decorrente do vinculo funcional, também sejam inclusivas, com a supressão de barreiras à garantia do direito das pessoas com deficiência e não há dúvida de que a diminuição do valor do auxílio-alimentação é uma barreira clara ao direito reconhecido aos deficientes de jornada diferenciada de trabalho.

 

5. O Supremo Tribunal Federal, ao fixar a tese de repercussão geral do tema 1.097, de que os servidores estaduais e municipais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência, também têm direito a horário especial, registrou, de forma expressa, a desnecessidade de compensação de horário e a garantia de irredutibilidade de vencimentos. Confira-se o acórdão de tal julgamento:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. TRATADO EQUIVALENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. LEI 12.764/2012. POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA DA FAMÍLIA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM ALTERAÇÃO NOS VENCIMENTOS. SERVIDORA ESTADUAL CUIDADORA DE FILHO AUTISTA. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. ANALOGIA AO ART. 98, § 3°, DA LEI 8.112/1990. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL QUANDO A OMISSÃO ESTADUAL OU MUNICIPAL OFENDE DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL AUTOAPLICÁVEL QUE NÃO ACARRETE AUMENTO DE GASTOS AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE SUBSTANCIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I – A Carta Política de 1988 fixou a proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente, cujas garantias têm sido reiteradamente positivadas em nossa legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990) e da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.170/1990). II – A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no § 2° do art. 1° da Lei 12.764/2012, estipulou que eles são considerados pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais. Assim, é incontestável que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência aplicam-se também a eles. III – A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) foi assinada pelo Brasil e, por ter sido aprovada de acordo com os ritos previstos no art. 5°, § 3° da Constituição Federal de 1988, suas regras são equivalentes a emendas constitucionais, o que reforça o compromisso internacional assumido pelo País na defesa dos direitos e garantias das pessoas com deficiência. IV – A CDPD tem como princípio geral o “respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade” (art. 3°, h) e determina que, nas ações relativas àquelas com deficiência, o superior interesse dela receberá consideração primordial (art. 7°, 2). V – No Preâmbulo (item X), o Tratado é claro ao estabelecer que a família, núcleo natural e fundamental da sociedade, tem o direito de receber não apenas a proteção de todos, mas também a assistência necessária para torná-la capaz de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. VI – Os Estados signatários obrigam-se a “adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção” (art. 4°, a). VII – A omissão do Poder Público, portanto, não pode justificar afronta às diretrizes e garantias constitucionais. Assim, a inexistência de lei estadual específica que preveja a redução da jornada de servidores públicos que tenham filhos com deficiência, sem redução de vencimentos, não serve de escusa para impedir que seja reconhecido a elas e aos seus genitores o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. VIII – A convivência e acompanhamento familiar para o desenvolvimento e a inclusão das pessoas com deficiência são garantidos pelas normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais, portanto, deve-se aplicar o melhor direito em favor da pessoa com deficiência e de seus cuidadores. IX – O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que é legítima a aplicação da Lei 8.112/1990 nos casos em que a legislação estatal e municipal for omissa em relação à determinação constitucional autoaplicável que não gere aumento ao erário. Precedentes. X – Tendo em vista o princípio da igualdade substancial, previsto tanto em nossa Carta Constitucional quanto na Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, se os servidores públicos federais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito a horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, os servidores públicos estaduais e municipais em situações análogas também devem ter a mesma prerrogativa. XI – Recurso extraordinário a que se dá provimento. Fixação de tese: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990”. (original sem grifos)

 

6. Em tal julgamento, o Relator traçou a evolução legislativa trazida pela Lei nº 13.370/2016, diploma que alterou o artigo 98 da Lei nº 8.112/1990 para revogar a exigência de compensação de horário como condição para a não redução do vencimento do servidor deficiente, ou com dependente em tal condição, em jornada especial. Confira-se:

Amplos debates sobre essa questão foram travados nos tribunais brasileiros, uma vez que, ainda que assegurada a redução da jornada para acompanhamento do filho ou dependente, o genitor, caso quisesse receber integralmente seus vencimentos, deveria encontrar formas de compensar o horário, o que o afastava da convivência familiar e ainda o submetia à exaustiva rotina diária de tentar equilibrar jornada de trabalho, tratamento e pagamento dos tratamentos necessários, contratação de cuidadores especializados, entre outros. Se escolhesse não suprir as horas, seus vencimentos seriam reduzidos, o que, indiretamente, também se revela prejudicial à pessoa com deficiência e à sua família, afinal o custo do tratamento pode ser elevado.

Em ambos os casos, portanto, a solução dada não atendia aos objetivos constitucionalmente traçados na Constituição brasileira, na CDPD e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Finalmente, a Lei 13.370/2016 apresentou alteração legislativa que representou marco na evolução da garantia dos direitos dos genitores ou pessoas que têm dependentes com deficiência: foi revogada a exigência de compensação de horário, sem prejuízo da redução de salário do servidor público federal. Assim, o mencionado artigo do Estatuto passou a ter a seguinte redação:

“Art. 98 – Será concedido o horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo:

[...] §2° Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.

§ 3° As disposições constantes do § 2° são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência”.

 

7. Nessa linha, a Resolução CNJ n. 343/2020 buscou garantir que a condição especial de trabalho não resultasse em diminuição da remuneração do servidor. Confira-se:

Art. 4º Os(as) magistrados(as) e os(as) servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou que tenham filhos(as) ou dependentes legais nessa condição, poderão requerer, diretamente à autoridade competente do respectivo tribunal, a concessão de condição especial de trabalho em uma ou mais das modalidades previstas nos incisos do art. 2º desta Resolução, independentemente de compensação laboral posterior e sem prejuízo da remuneração. (original sem grifos)

 

8. Também o Tribunal de Contas da União, ao disciplinar o pagamento do auxílio-alimentação em relação aos servidores com jornada especial de trabalho, afastou a regra de redução. Confira-se:

Portaria TCU n. 91/2014

Art. 4º O auxílio-alimentação a ser concedido ao servidor, cuja jornada de trabalho seja inferior a trinta horas semanais, corresponderá a cinquenta por cento do valor mensal.

§ 1º Não se aplica o disposto no caput aos casos de concessão de jornada especial de trabalho - consoante Portaria-TCU nº 138, de 28 de maio de 2008 - para servidor estudante, lactante, com deficiência ou regime especial de jornada de trabalho previsto na Resolução-TCU nº 212, de 25 de junho de 2008. (NR)(Portaria-TCU nº 385, de 21/12/2018, BTCU Administrativo nº 246/2018)

§ 2º Na hipótese de acumulação de cargos cuja soma das jornadas de trabalho seja superior a trinta horas semanais, o servidor perceberá o auxílio-alimentação pelo seu valor integral, a ser pago pelo órgão ou entidade de sua opção.

§ 3º Fica vedada a concessão suplementar do auxílio-alimentação nas situações em que a jornada de trabalho for superior a quarenta horas semanais.

 

9. Nesse contexto, a natureza indenizatória do auxílio-alimentação, que não permite enquadrá-lo como verba remuneratória, em nada influencia o deslinde da controvérsia. O pagamento da referida verba, na integralidade, aos servidores beneficiados com a jornada reduzida decorre da necessidade de não se criar uma barreira ao exercício do direito à redução das horas de trabalho e não propriamente da garantia de irredutibilidade de vencimentos.

 

10. Já no que diz respeito ao alcance desta proteção normativa, a Secretaria de Gestão de Pessoas propôs que fossem excepcionados da redução além do servidor com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou com filhos ou dependentes em tais condições, também a lactante e o estudante.

Ocorre que, embora a própria Lei nº 13.146/2015 contemple a lactante como sendo “pessoa com mobilidade reduzida”, a exigir condições específicas de trabalho, conforme disciplina da Resolução CNJ nº 343/2020, o mesmo não se pode considerar em relação ao servidor estudante que, nos termos do citado artigo 98 da Lei nº 8.112/1991, não foi alcançado pela dispensa de compensação de horário, restrita ao servidor portador de deficiência ou com dependente em tal condição. Confira-se, mais uma vez, o referido dispositivo:

 

Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

§ 1o Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. (Parágrafo renumerado e alterado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)

§ 4o Será igualmente concedido horário especial, vinculado à compensação de horário a ser efetivada no prazo de até 1 (um) ano, ao servidor que desempenhe atividade prevista nos incisos I e II do caput do art. 76-A desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.501, de 2007)

 

11. Por fim, no que diz respeito à extensão do benefício aqui reconhecido, não se pode olvidar do caráter indenizatório do auxílio-alimentação, natureza jurídica essa que justificou a edição da Súmula Vinculante nº 55 pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, segundo a qual: “O direito ao auxílio alimentação não se estende aos servidores inativos”.

Nada obstante, tal natureza indenizatória apenas impede o pagamento de tal verba para os inativos, exatamente por não possuir caráter remuneratório, não havendo óbice ao pagamento retroativo aos servidores que, nas condições aqui consideradas, deixaram de receber a referida verba, cuja integralidade já havia sido reconhecida, pelo menos, desde a Lei 13.370, de 12.12.2016.

 

12. Por todo o exposto, voto no sentido de responder negativamente à Consulta nº 0000145-05.2023.4.01.8013, formulada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, e de acolher o pedido de providências deduzido no Processo nº 0001358-18.2024.490.8000 para, alterar a Resolução CJF 04/2008, nos termos da minuta a seguir, garantido o pagamento dos valores em atraso, observada a prescrição quinquenal.

 

 

 

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Conselheiro

 

Minuta 0580444 - Resolução CJF n. 4/2008

Art. 27 [...]

[...]

§ 3º Não se aplica o disposto no caput aos casos de concessão de jornada especial de trabalho para servidor(a) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, ou que tenham filhos(as) ou dependentes legais nessas condições, nem à lactante.

 

 


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Autenticado eletronicamente por Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 10/09/2024, às 18:34, conforme art. 1º, §2º, III, b, da Lei 11.419/2006.


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Processo nº0000145-05.2023.4.01.8013 SEI nº0627688