CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
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Acórdão Nº 0292245
PROCESSO 0002130-93.2021.4.90.8000
RELATOR: Conselheiro Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO
RELATOR PARA ACÓRDÃO: Conselheiro Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
CONSULENTE: Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4
ASSUNTO: Consulta acerca da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, tendo em vista a mudança do entendimento promovida no Acórdão TCU 205/2020-Plenário.
ementa
CONSULTA. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO MILITAR PARA FINS DE APROVEITAMENTO NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CIVIL. LEI 6.880/1980. ALTERAÇÃO DO ART. 8º DA RESOLUÇÃO CJF 141/2011.
- O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 205/2020-Plenário, se manifestou pela impossibilidade de aplicação do entendimento exarado no Acórdão TCU 25/2003-Plenário, considerando inafastável a aplicação da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980 quanto ao tratamento a ser dado à averbação do tempo de serviço como aluno de órgão de formação de reserva militar.
- Tendo em vista que o art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF 141/2011, se fundamentava no Acórdão TCU 25/2003-Plenário, afigura-se necessária a atualização do referido normativo a fim de adequá-lo ao entendimento mais recente do Tribunal de Contas da União, consignando-se que é computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei militar e apenas para aposentadoria nos termos da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei n. 6.880/1980.
- De se considerar, entretanto, que antes da modificação da orientação pelo Egrégio Tribunal de Contas da União, vários atos de aposentadoria foram expedidos, praticados nos exatos termos de decisão anterior da referida Corte (Acórdão 25/2003), no qual se assentou claro entendimento no sentido de que “como o Estatuto dos Militares não tem incidência sobre as relações estatutárias dos servidores públicos federais, o fator de ponderação ali previsto no que se refere ao tempo de serviço prestado às forças armadas como aluno de órgão de formação da reserva não tem aplicação ao pessoal civil submetido ao regime jurídico dos servidores civis. Conforme expressamente estabelecido no art. 134, § 2º, da Lei nº 6.880/1980, a conversão do tempo de serviço como aluno se dará apenas para efeito de inatividade, e, conclui-se, no âmbito do Estatuto dos Militares”.
- Ocorreu, no caso, mudança de interpretação da legislação, de modo a justificar a aplicação do disposto no artigo 2º, inciso XIII, da Lei 9.784/1999, que, em prol do princípio da segurança jurídica, veda a aplicação retroativa de nova interpretação adotada pela administração.
- Nos termos do artigo 24 da LINDB (DL 4.657/1942), a propósito, a revisão, "nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas".
- Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, com a corolária impossibilidade de aplicação indiscriminada de nova interpretação a situações anteriores, obliteram a possibilidade de revisão das situações anteriores à modificação da orientação, tudo à luz da Carta Magna.
- Conquanto não haja problema à revisão das averbações, nos casos em que isso acarretou concessão de benefício ou vantagem, a nova orientação só pode ser aplicada a partir de 5.2.2020, data da sessão do Acórdão TCU 205/2020, até porque como consignado na ementa do referido julgado, "não é mais possível aplicar, sob nenhuma hipótese, o entendimento exarado por meio do Acórdão 25/2003 – Plenário, que autorizou a contagem do tempo de serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no estatuto dos militares" (sublinhei). Até 5.2.20 era possível.
- Consulta conhecida e respondida no sentido da aprovação da proposta de Resolução que altera a redação do art. 8º da Resolução CJF 141/2011, nos moldes da minuta apresentada pela área técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas do CJF, devendo o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão TCU 205/2020-Plenário ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência a partir de 5/2/2020, preservando-se as vantagens e benefícios concedidos em data anterior.
acórdão
O Conselho, por unanimidade, DECIDIU CONHECER da consulta, com a aprovação da proposta de resolução que altera a redação do art. 8º da Resolução CJF n. 141/2011, nos moldes da minuta apresentada pela área técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas do Conselho da Justiça Federal e, por maioria, DECIDIU que o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão TCU 205/2020-Plenário deve ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência a partir de 5/2/2020, preservando-se as vantagens e benefícios concedidos em data anterior, nos termos da divergência inaugurada pelo Conselheiro Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Vencidos os Conselheiros Messod Azulay Neto e Mairan Maia. Relator para o acórdão Conselheiro Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Presidiu o julgamento o Ministro HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS. Plenário, 13 de dezembro de 2021. Presentes à sessão os Conselheiros HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS, JORGE MUSSI, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, MARCO BUZZI, MARCO AURÉLIO BELLIZZE OLIVEIRA, I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, MESSOD AZULAY NETO, MAIRAN MAIA, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA e EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. CONSELHEIRO MESSOD AZULAY NETO: Trata-se de consulta formulada pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, encaminhada por meio do Ofício id. 0245365, acerca da ocorrência ou não da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, diante da mudança do entendimento promovida pelo Tribunal de Contas da União – TCU em relação ao tratamento a ser dado à averbação do tempo de serviço militar oriundo de órgão de formação de reserva.
Conforme salientado pela área técnica do TRF4, a averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar vinha sendo realizada computando-se integralmente o período certificado (contagem data a data) e não na proporcionalidade estabelecida no Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980), pois seguia-se o entendimento firmado pelo TCU no Acórdão 25/2003, adotado pela Resolução n. 141/2011 deste Conselho da Justiça Federal, a qual regulamenta a averbação de tempo de serviço dos servidores do Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.
No entanto, face à prolação do Acórdão TCU 205/2020-Plenário (id. 0264604), no qual a Corte se manifestou pela impossibilidade de aplicação do entendimento exarado por meio do Acórdão 25/2003, o Tribunal Regional submeteu a consulta em apreço a este Conselho para dirimir se houve consequente derrogação do disposto no artigo 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011.
A Secretaria de Gestão de Pessoas deste Conselho instruiu estes autos com a informação SUNOR id. 0247739, na qual apresentou minuta de resolução para alterar a redação do referido dispositivo da Resolução CJF n. 141/2011 e destacou que “embora o ofício em si tenha delimitado a consulta acerca da ocorrência ou não da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, a matéria demanda análise acerca da eficácia temporal do entendimento exarado no Acórdão TCU n. 205/2020”.
Em razão da identidade da matéria dos presentes autos com a do processo SEI n. 0001392-68.2021.4.90.8000, que consiste em consulta acerca da necessidade ou não de reposição de valores recebidos em decorrência de percepção de abono de permanência concedido com contagem de tempo militar com base na antiga decisão do TCU, ambos os autos foram relacionados para distribuição por dependência e julgamento conjunto, conforme art. 29, § 7°, do Regimento Interno deste Conselho da Justiça Federal.
Naqueles autos, a área técnica deste Conselho (id. 0228448), entendeu “cabível a devolução dos valores se os efeitos favoráveis ao magistrado não estiverem atingidos pela decadência contida no art. 54 da Lei n. 9.784/1999”.
É o breve relatório.
voto
O EXMO. SR. CONSELHEIRO MESSOD AZULAY NETO: O Tribunal Regional Federal da 4ª Região encaminhou a consulta, que versa acerca da ocorrência ou não da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, tendo em vista a mudança do entendimento promovida pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão TCU 205/2020-Plenário.
De início, impende salientar que, no Acórdão 25/2003, o Plenário do TCU afastou a incidência do Estatuto dos Militares sobre as relações estatutárias dos servidores públicos federais, motivo pelo qual autorizou a contagem do tempo de serviço público prestado às Forças Armadas como aluno do Instituto Militar de Engenharia para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem que fosse considerado o fator de conversão estabelecido no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), assim expresso:
Art. 134. Os militares começam a contar tempo de serviço nas Forças Armadas a partir da data de seu ingresso em qualquer organização militar da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica.
[...]
§ 2º O tempo de serviço como aluno de órgão de formação da reserva é computado, apenas, para fins de inatividade na base de 1 (um) dia para cada período de 8 (oito) horas de instrução, desde que concluída com aproveitamento a formação militar.
Com base na aludida decisão, na sessão de 14-02-2011, o Conselho da Justiça Federal aprovou a Resolução n. 141/2011, que regulamenta a averbação de tempo de serviço dos servidores do Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, seguindo a interpretação dada pelo TCU, nos termos do art. 8º, XVI, in verbis:
Art. 8º Na apuração do tempo de serviço, nos termos da Lei n. 8.112/1990, para fins de aposentadoria, disponibilidade, gratificação adicional, licença-prêmio por assiduidade e para efeito de licença para capacitação, nos termos do parágrafo único do art. 7° da Lei n. 9.527/1997, serão observadas as seguintes normas:
[...]
XVI – o tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar será computado integralmente e não na proporcionalidade estabelecida no § 2º do art. 134 do Estatuto dos Militares, Lei n. 6.880/1980 (TCU, Acórdão n. 25, Boletim TCU n. 3, plenário, D.O.U. de 22/1/2003). (Renumeração dada pela Resolução n. 247, de 13 de junho de 2013)
Nessa toada, a averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar vinha sendo realizada computando-se integralmente o período certificado (contagem data a data), e não na proporcionalidade estabelecida no Estatuto dos Militares.
Ocorre que, na sessão de 5-2-2020, por meio do Acórdão TCU 205/2020-Plenário, a Corte de Contas decidiu não ser mais possível aplicar, sob nenhuma hipótese, a exegese oriunda do Acórdão TCU 25/2003, tendo considerado inafastável a aplicação da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980, da seguinte forma:
Acórdão VISTO, relatado e discutido este processo de consulta formulada pelo Exmo. Presidente da Câmara dos Deputados acerca da possibilidade de aplicação do entendimento manifestado no Acórdão 25/2003-TCU-Plenário, que autorizou a contagem do serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) , para toda a Administração Pública Federal.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente consulta, por atender aos requisitos fixados no art. 264 do Regimento Interno deste Tribunal;
9.2. responder ao Consulente que não é mais possível aplicar, sob nenhuma hipótese, o entendimento exarado por meio do Acórdão 25/2003 – Plenário, que autorizou a contagem do tempo de serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no estatuto dos militares;
9.3. informar ao Consulente que é computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei e das normas emanadas das autoridade militares competentes, nos termos do Enunciado 108 da Súmula da Jurisprudência do TCU, sendo inafastável, no caso, a aplicação da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980; (g.n)
Nesse contexto, verifica-se que assiste razão ao consulente quanto à ocorrência de derrogação tácita do art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, o qual remete expressamente ao Acórdão TCU 25/2003, eis que o dispositivo vai de encontro ao exposto pelo TCU no Acórdão n. 205/2020-Plenário.
Outrossim, a área técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas deste Conselho opinou pelo acatamento da consulta em tela, com a sugestão de “que seja atualizada a redação do referido normativo, de modo que passe a constar o dispositivo de acordo com o entendimento mais recente do TCU”, e propôs a seguinte minuta de Resolução (id. 0264601), in verbis:
Art. 1º Alterar o art. 8º, inciso XVI, da Resolução n. 141, de 28 de fevereiro de 2011, que passa a vigorar com a seguinte redação:
"XVI - é computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei militar e apenas para aposentadoria nos termos da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei n. 6.880/1980 (TCU, Acórdão n. 205/2020-TCU-Plenário, Ata n. 3/2020, D.O.U. de 17/2/2020)".
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
A referida Secretaria ainda destacou que, embora o ofício do TRF4 tenha delimitado a consulta acerca da ocorrência ou não da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, mister a análise da eficácia temporal do entendimento exarado no Acórdão TCU n. 205/2020, mais precisamente sobre a possibilidade de revisão das averbações levadas a efeito no âmbito deste Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, por força do citado dispositivo.
Segundo as áreas técnicas do TRF4, o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão 205/2020 deve ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência posteriores à data da sessão de julgamento, isto é, 5/2/2020, sendo necessária a revisão de benefícios concedidos posteriormente em desconformidade com a referida decisão.
Nesse sentido, sustentam que a situação em tela parece tratar-se de mudança de interpretação da norma, visto que o procedimento de averbação do tempo integral da certidão de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar estava amparado na Resolução CJF n. 141/2011, que segue o entendimento firmado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão TCU 25/2003-Plenário.
Por outro lado, a unidade técnica deste Conselho manifestou-se pela possibilidade de revisão das averbações que tenham gerado efeitos favoráveis ao servidor, dentro do prazo decadencial de 5 anos, nos seguintes termos:
Cabe ressaltar que o ato de averbar tempo de serviço pelo agente público perante a Administração Pública é mero ato declaratório e como tal não está sujeito a prazos decadenciais ou prescricionais. No entanto, se da averbação surtiu efeitos favoráveis ao administrado, resta impossibilitada a subtração do tempo averbado, caso já tenha ultrapassado o lapso temporal de 5 anos após a concessão da vantagem. Em se tratando de atos de que decorram efeitos patrimoniais contínuos, nos quais haja pagamento de vantagem considerada irregular pela Administração, o prazo decadencial de cinco anos é contado a partir da percepção do primeiro pagamento indevido, consoante o § 1º do artigo 54 da Lei n. 9.784/1999. Contudo, o art. 54 da Lei n. 9.784/99 prevê um prazo decadencial de 5 anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destinatários. (g.n)
Nesse cenário, cumpre destacar que a consulta formulada no Acórdão TCU 205/2020-Plenário, a fim de esclarecer se o raciocínio utilizado no Acórdão 25/2003-Plenário poderia ser estendido a toda a Administração Pública, foi negado, em observância do princípio da legalidade, notadamente com base no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980, senão confira-se:
A consulta toma como precedente o Acórdão 25/2003-Plenário, para questionar a legalidade da utilização do critério contido no art. 134, § 2°, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), para apuração do tempo de serviço como aluno de estabelecimento militar de ensino, uma vez que o art. 100 da Lei 8.112/1990, além de permitir a contagem, para todos os fins, do tempo de serviço prestado às Forças Armadas, não prevê, para tal cômputo, critério especial de conversão.
[...]
Nem os artigos 42, 142 e 143 da Constituição Federal de 1988, nem a Lei 8.112/1990, estatuto que rege os servidores públicos civis, mencionam como atividade militar o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, categoria em que se insere o tempo de serviço prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia (IME), objeto desta consulta.
[...]
Conforme leciona Hely Lopes Meirelles, “a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso” (p.67). É em decorrência do princípio da legalidade, previsto expressamente pelo caput do art. 37 da Constituição Federal, que ao administrador público somente é permitido aquilo que a lei autoriza, de forma prévia e expressa. E é nesse princípio que está fundamentada a importante premissa da indisponibilidade do interesse público, pela Administração. Hely Lopes Meirelles acrescenta: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (p.89). Assim, tendo em vista que o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos encontra-se inserido no tempo de serviço militar em razão de os normativos militares, e que somente eles disciplinam dessa forma, em atendimento ao princípio da legalidade, é com base nas referidas normas que se deve contabilizar esse período. (g.n)
O princípio da legalidade representa simultaneamente um limite e uma garantia constitucionais, porquanto, ao passo que circunscreve atuação do Poder Público à lei, também é uma garantia aos administrados, que só devem cumprir as exigências do Estado se previstas em lei.
Pelo princípio da legalidade estrita, aplicável à Administração Pública, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos preceitos legais e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido.
Assim, como o Diógenes Gasparini preceitua, “Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se a anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular”. (Direito Administrativo. 14ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009)
Noutro giro, se é certo que os atos administrativos considerados ilegais podem ser revistos pela própria Administração, de igual modo é a impossibilidade de invalidação de ato administrativo cujos efeitos se consolidaram pelo decurso de longo tempo e surtiram efeitos favoráveis ao administrado.
Nesse sentido, o legislador entendeu ser o lapso temporal de cinco anos razoável à estabilização das situações jurídicas constituídas entre a Administração Pública Federal e os seus administrados, conforme artigos 53 e 54 a Lei n. 9.784/1999, que regulamenta o processo administrativo no âmbito federal. Confira-se:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação do ato. (g.n.)
Ademais, nos termos da Súmula n. 473[1] do STF, a Administração, com fundamento no seu poder de autotutela, pode anular seus próprios atos, de modo a adequá-lo aos preceitos legais, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Quanto ao mero ato de averbação, há de se ressaltar que, nos termos do disposto no art. 2º da Resolução CJF n. 141/2011, a “averbação é o reconhecimento do tempo de serviço prestado pelo servidor, mediante assentamento em documento hábil”.
Consoante lição de Hely Lopes Meirelles, o ato administrativo declaratório “visa a preservar direitos, reconhecer situações preexistentes ou, mesmo, possibilitar seu exercício. São exemplos dessa espécie a apostila de títulos de nomeação, a expedição de certidões e demais atos fundados em situações jurídicas anteriores”. Explica, ainda, que as “apostilas são atos enunciativos ou declaratórios de uma situação anterior criada por lei. Ao apostilar um título, a Administração não cria um direito, pois apenas reconhece a existência de um direito criado por norma legal. Equivale a uma averbação.”. (Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. Malheiros, 2003)
Dessa forma, o simples ato de “registrar” o tempo de serviço apresentado pelo servidor, sem que lhe tenha gerado efeitos favoráveis, não se submete ao comando decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99.
Com as considerações acima, conquanto tenha havido mudança de interpretação da norma, depreende-se que, em prestígio ao princípio da legalidade, o TCU rechaçou a aplicação do entendimento exarado no Acórdão 25/2003-Plenário.
Exsurge, por conseguinte, sob a óptica de administrador da coisa pública, jungido à legalidade estrita, adequada a proposição oriunda da Secretaria de Gestão de Pessoas deste Conselho no sentido de se proceder à revisão das averbações de tempo de serviço/contribuição levadas a efeito com base na redação vigente da Resolução CJF n. 141/2011, quanto às consequências dela decorrentes, observando-se o prazo decadencial do art. 54 da Lei n. 9.784/1999, ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Quanto à possibilidade de tais revisões ensejarem ou não a devolução dos valores percebidos, nos autos do processo SEI n. 0001392-68.2021.4.90.8000, que foi distribuído por dependência a este processo, a área técnica do CJF considerou “cabível a devolução dos valores se os efeitos favoráveis ao magistrado não estiverem atingidos pela decadência contida no art. 54 da Lei n. 9.784/1999”, não obstante tenha reconhecido que a “matéria é complexa e comporta divergência”. Acrescentou também as informações (id. 0228448) que seguem colacionadas:
Conforme se verifica pelos termos da informação do NUMAG/TRF4 (id 0222907), entendeu aquela unidade do tribunal regional que “o benefício foi recebido de boa-fé e com base em interpretação de norma administrativa que sofreu superveniente alteração, circunstâncias que, salvo engano, autorizam a dispensa da devolução dos montantes auferidos, conforme a Súmula 249 do TCU”.
Contudo, conforme salientado pelo Exmo. Sr. Secretário-Geral deste CJF, nos autos do Processo n. 0002097-78.2019.4.90.8000, "a questão relativa à boa-fé do servidor é absolutamente estranha à atuação administrativa, visto a imposição legal prevista nos dispositivos acima mencionados, que obriga o administrador a realizar o procedimento para reaver os valores pagos indevidamente independentemente do estado anímico do servidor"(id. 0152488). (g.n)
A questão posta em debate, todavia, deve ser analisada à luz da Súmula 34 da Advocacia Geral da União – AGU e Súmula 249 do TCU, transcritas a seguir:
Súmula 34-AGU: Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.
Súmula 249 do TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais. Deve ser, todavia, dispensada a necessidade de devolução dos valores recebidos em razão de eventual revisão de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência, posto ser forçoso reconhecer a boa-fé dos servidores ante a existência de orientação da Administração, o caráter alimentício das parcelas percebidas e o pagamento por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência daqueles. (g.n)
Nesse diapasão, ressalta-se que o reconhecimento posterior da irregularidade de vantagem remuneratória “não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má-fé do servidor”. (MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, PLENO, DJe 13/6/2008)
Ademais, em virtude do princípio da legítima confiança, embora se entenda que houve pagamento indevido ao servidor, uma vez gerada a justa expectativa de que os valores recebidos eram legais, deve-se afastar a exigência de devolução.
É nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça editou, no Tema n. 531, a seguinte tese:
Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
No caso em apreço, constata-se a boa-fé dos servidores, ante a existência de orientação administrativa, bem como que o pagamento se deu por iniciativa da Administração Pública, sem ingerência daqueles, e que as parcelas percebidas possuem caráter alimentício. Entende-se prescindível, portanto, a repetição de tais verbas.
Pelo exposto, voto pelo conhecimento da consulta, com a aprovação da proposta de Resolução que altera a redação do art. 8º da Resolução CJF n. 141/2011, nos moldes da minuta apresentada pela área técnica da Secretaria de Gestão de Pessoas do CJF; devendo o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão TCU 205/2020-Plenário ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência não fulminados pela decadência, nos termos na lei 9.784/1999, dispensando-se a reposição dos valores percebidos indevidamente sob a égide da redação original da Resolução CJF n. 141/2011.
É como voto.
MINUTA DE RESOLUÇÃO
Dispõe sobre a alteração do art. 8º da Resolução n. 141, de 28 de fevereiro de 2011, que regulamenta a averbação de tempo de serviço dos servidores do Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.
O PRESIDENTE DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, no uso de suas atribuições legais, e tendo em vista o decidido no Processo SEI n. 0002130-93.2021.4.90.8000, na sessão do dia __ de ______ de 2021,
RESOLVE:
Art. 1º Alterar o art. 8º, inciso XVI, da Resolução n. 141, de 28 de fevereiro de 2011, que passa a vigorar com a seguinte redação:
"XVI - é computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei militar e apenas para aposentadoria nos termos da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei n. 6.880/1980 (TCU, Acórdão n. 205/2020-TCU-Plenário, Ata n. 3/2020, D.O.U. de 17/2/2020)".
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
PRESIDENTE
VOTO-vista
O EXMO. SR. CONSELHEIRO RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA: Pedi vista para melhor análise da matéria e, após detido exame, peço vênia para divergir em parte.
Ao que se depreende do fundamentado voto do eminente Relator, é proposta a revisão de eventuais atos concessórios, observada a prescrição quinquenal.
A adoção desse entendimento, contudo, pode acarretar a "desaposentação" de juízes e servidores que tiveram suas aposentadorias deferidas no período de 5 anos anteriores à decisão do Tribunal de Contas da União que é de 5.2.2020.
Os atos de aposentadoria foram expedidos antes da modificação da orientação por parte da Egrégia Corte de Contas. Mais do que isso, os deferimentos ocorreram nos exatos termos de decisão anterior do próprio Tribunal de Contas da União (Acórdão 25/2003), na qual se assentou claro entendimento no sentido de que “como o Estatuto dos Militares não tem incidência sobre as relações estatutárias dos servidores públicos federais, o fator de ponderação ali previsto no que se refere ao tempo de serviço prestado às forças armadas como aluno de órgão de formação da reserva não tem aplicação ao pessoal civil submetido ao regime jurídico dos servidores civis. Conforme expressamente estabelecido no art. 134, § 2º, da Lei nº 6.880/1980, a conversão do tempo de serviço como aluno se dará apenas para efeito de inatividade, e, conclui-se, no âmbito do Estatuto dos Militares”.
Parece-me que houve apenas mudança de interpretação da legislação por parte do TCU, de modo a justificar a aplicação do disposto no artigo 2º, inciso XIII, da Lei 9.784/1999, que, em prol do princípio da segurança jurídica, veda a aplicação retroativa de nova interpretação adotada pela administração:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
...
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Os atos já praticados mediante aplicação de determinada interpretação que a administração então entendia a mais adequada não podem, parece-me, ser revistos em face de posterior adoção de nova interpretação. Nesse sentido:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ABONO DE PERMANÊNCIA. DECADÊNCIA. NOVO ENTENDIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. VEDAÇÃO À APLICAÇÃO RETROATIVA DE NOVA INTERPRETAÇÃO.
1. Tendo sido o autor efetivamente notificado da desaverbação mais de cinco anos após ter sido certificado o direito à conversão do tempo de serviço especial em comum, restou configurada a decadência administrativa prevista no artigo 54 da lei 9.784/99.
2. O artigo 2º, inciso XIII, da lei 9.784/99, em prol do princípio da segurança jurídica, veda a aplicação retroativa de nova interpretação adotada pela administração. Os atos já praticados mediante aplicação de uma determinada interpretação que a administração então entendia a mais adequada não podem ser revistos em face de posterior adoção de nova interpretação.
3. Apelações providas. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029859-96.2016.4.04.7200, 4ª Turma, Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/06/2020)
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ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE PROVENTOS. ART. 192, I, DA LEI Nº 8.112. DECADÊNCIA. MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. REMUNERAÇÃO.
1. Os órgãos da Administração Pública, no exercício de seu poder/dever de autotutela, estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para "anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários" (art. 54 da Lei n.º 9.784/99), assim como às regras de tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato.
2. O artigo 2º, inciso XIII, da lei 9.784/99, em prol do princípio da segurança jurídica, veda a aplicação retroativa de nova interpretação adotada pela administração. Os atos já praticados mediante aplicação de uma determinada interpretação que a administração então entendia a mais adequada não podem ser revistos em face de posterior adoção de nova interpretação.
3. A base de cálculo do benefício previsto no art. 192 da Lei nº 8.112/91 deverá ser a remuneração do padrão de classe imediatamente superior, de modo que se incluem todas as vantagens do cargo, não só o vencimento básico.
(TRF4, AC 5089683-87.2019.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 16/08/2020)
Como visto, há fundamento de ordem constitucional, que diz com a aplicação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, e com a corolária impossibilidade de aplicação indiscriminada de nova interpretação a situações anteriores, a obliterar a possibilidade de revisão das situações anteriores à modificação da orientação, tudo à luz da Carta Magna.
Deste modo, conquanto não divise problema à revisão das averbações, nos casos em que isso acarretou concessão de benefício ou vantagem, penso que nova orientação só pode ser aplicada a partir de 5.2.2020, data da sessão do Acórdão TCU 205/2020, até porque como consignado na ementa do referido julgado "não é mais possível aplicar, sob nenhuma hipótese, o entendimento exarado por meio do Acórdão 25/2003 – Plenário, que autorizou a contagem do tempo de serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no estatuto dos militares" (sublinhei). Até 5.2.20, então, era possível.
Vejo dificuldade em reconhecer ilegalidade na concessão de aposentadoria que tenha sido deferida com base justamente em orientação do egrégio Tribunal de Contas da União.
Oportuno registrar os fundamentos expostos pelo Conselheiro Edilson Nobre em voto proferido nessa sessão acerca do tema em discussão:
...
O art. 24 da LINDB, acrescido pela Lei nº 13.655/2018[1], não somente potencializa, em favor do particular, a segurança jurídica diante de decisão proferida por órgão de controle – no caso, o Tribunal de Contas da União -, mas também diante de direito atribuído por decisão exarada na esfera administrativa.
Essa circunstância já constava da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de registro de aposentadoria, inclusive anteriormente à alteração feita à LINDB pela Lei 13.655/2019.
Elucidativo o Agravo Regimental no MS 28965 (Segunda Turma, unânime, rel. Min. GILMAR MENDES, julgamento em 10-11-2015)[2], onde se entendeu que o Tribunal de Contas da União, quando da apreciação de aposentadoria deferida em 2001 pela União, não poderia aplicar o novo entendimento constante do Acórdão 2024/2005, relativo aos requisitos para a contagem do tempo de aluno-aprendiz.
Isso justamente porque, quando o ato de aposentadoria foi publicado, outra era a orientação predominante na aludida da Corte de Contas. O ponto de vista foi noutros julgamentos (Segunda Turma, MS-AgR no 32245, unânime, TEORI ZAVASCKI, DJE de 06-11-2013[3]; Primeira Turma, MS-ED 31260, unânime, rel. Min. LUIZ FUX, DJE de 28-10-2015[4]).
Percebe-se que, para o Supremo Tribunal Federal, a obrigação de respeitar o entendimento predominante à época – posteriormente sedimentada pelo legislador (art. 24, LINDB) –, dizia respeito a que o órgão de controle deveria salvaguardar as decisões administrativas proferidas com base nas suas orientações então vigorantes.
Embasou o pensar jurisprudencial o disposto no art. 2º, parágrafo único, XIII, segunda parte, da Lei 9.784/99, o qual, já vigorante, dispõe: “XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.
Pode-se afirmar que a mudança de entendimento, no que concerne ao ponto discutido, teria decorrido de um equívoco de que era portador o ponto de vista anteriormente observado pelo Tribunal de Contas da União.
O argumento merece reparos. É indiscutível que, para uma mutação interpretativa da espécie, faz-se necessária a formulação de uma censura quanto à anterior interpretação, até porque é da sua própria natureza uma motivação razoável, pois, se tal realizado sem mais nem mais, configuraria arbitrariedade.
Esse aspecto é enfocado por Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Sousa, Guilherme Jardim Jurksaitis (Interpretações administrativas aderem à lei?. Revista de Direito Administrativo, v. 260, p. 114-116, maio/agosto de 2012), consoante os quais a alteração de uma interpretação consolidada exige um ônus argumentativo suficiente, tal como o confronto de um caso concreto com as características da prática adotada, uma mudança no contexto fático ou até mesmo um erro jurídico monumental.
O que não se admite, em nenhuma hipótese, é que tal mudança interpretativa valha para situações anteriores, já consolidadas, porquanto assim haverá afronta não somente ao preceituado pelo art. 2º, parágrafo único, XIII, segunda parte, da Lei 9.784/99, e ao art. 24 da LINDB, mas principalmente à tutela da segurança jurídica, consagrada constitucionalmente, seja no Preâmbulo ou por força do art. 5º, §2º, da Constituição, como elementar indissociável do Estado de Direito e, por isso, projetando além da preservação da tríade tradicional do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.
...
Como reforço de fundamentação, reporto-me ainda à manifestação do Diretor da Divisão de Legislação de Pessoal da Diretoria de Recursos Humanos do TRF4 que está às fls. 10/13 do documento 0245365:
...
Importa registrar, inicialmente, que a averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar vinha sendo realizada computando-se integralmente o período certificado (contagem data a data) e não na proporcionalidade estabelecida no Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980), artigo 134, § 2º, pois seguia-se o entendimento firmado pelo Tribunal de Contas no Acórdão n. 25, Boletim TCU n. 3, plenário, D.O.U. de 22-1-2003, e adotado pela Resolução 141/2011 do Conselho da Justiça Federal, a qual regulamenta a averbação de tempo de serviço dos servidores do Conselho e da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, conforme dispositivos a seguir transcritos.
Art. 8º Na apuração do tempo de serviço, nos termos da Lei n. 8.112/1990, para fins de aposentadoria, disponibilidade, gratificação adicional, licença-prêmio por assiduidade e para efeito de licença para capacitação, nos termos do parágrafo único do art. 7° da Lei n. 9.527/1997, serão observadas as seguintes normas:
[...]
XVI – o tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar será computado integralmente e não na proporcionalidade estabelecida no § 2º do art. 134 do Estatuto dos Militares, Lei n. 6.880/1980 (TCU, Acórdão n. 25, Boletim TCU n. 3, plenário, D.O.U. de 22/1/2003). (Renumeração dada pela Resolução n. 247, de 13 de junho de 2013)
Todavia, por meio do recente Acórdão TCU 205/2020-Plenário (sessão de 5-2-2020), o entendimento quanto ao tratamento a ser dado à averbação do tempo de serviço militar oriundo de Órgão de Formação de Reserva foi substancialmente modificado, mediante a revisão do entendimento firmado no Acórdão TCU 25/2003. A seguir, destaca-se o teor da decisão proferida recentemente pelo TCU (destaques supervenientes).
Sumário
CONSULTA. CÂMARA DOS DEPUTADOS. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO ÀS FORÇAS ARMADAS, NA CONDIÇÃO DE ALUNO DE ÓRGÃO DE FORMAÇÃO DA RESERVA, PARA FINS DE APOSENTADORIA NO ÂMBITO DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CIVIL. CONTAGEM INTEGRAL. POSSIBILIDADE. CIÊNCIA AO CONSULENTE. ARQUIVAMENTO. 1. O art. 100 da Lei 8.112/1990, ao estabelecer o cômputo do tempo de serviço público federal para todos os efeitos, inclusive o prestado às Forças Armadas, não condicionou a contagem aos mesmos critérios a que estão sujeitos os servidores militares, regidos, como se sabe, por legislação específica. 2. O fator de ponderação previsto no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), no que se refere ao tempo de serviço prestado às Forças Armadas como aluno de órgão de formação da reserva, não tem aplicação ao regime jurídico dos servidores civis.
Acórdão
VISTO, relatado e discutido este processo de consulta formulada pelo Exmo. Presidente da Câmara dos Deputados acerca da possibilidade de aplicação do entendimento manifestado no Acórdão 25/2003-TCU-Plenário, que autorizou a contagem do serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) , para toda a Administração Pública Federal.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1. conhecer da presente consulta, por atender aos requisitos fixados no art. 264 do Regimento Interno deste Tribunal;
9.2. responder ao Consulente que não é mais possível aplicar, sob nenhuma hipótese, o entendimento exarado por meio do Acórdão 25/2003 – Plenário, que autorizou a contagem do tempo de serviço público prestado às Forças Armadas, como aluno do Instituto Militar de Engenharia, para fins de aproveitamento no serviço público federal civil, sem o fator de ponderação previsto no estatuto dos militares;
9.3. informar ao Consulente que é computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei e das normas emanadas das autoridade militares competentes, nos termos do Enunciado 108 da Súmula da Jurisprudência do TCU, sendo inafastável, no caso, a aplicação da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei 6.880/1980;
Assim, em razão da mudança de entendimento promovida pelo Acórdão TCU 205/2020- Plenário, ao examinar um pedido, formulado por servidor deste Tribunal, de averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar, nos autos do processo administrativo 12.1.000011401-0, a Presidência deste Tribunal, em 6-6-2020, declarou ser devida a averbação postulada pelo servidor, aplicando-se, contudo, o fator de ponderação previsto na Lei 6.880/1980, artigo 134, § 2º, perfilhando-se ao entendimento firmado no Acórdão 205/2020 do Plenário do TCU. Além disso, determinou, "diante da nova orientação, a abertura de novo expediente, a fim de divulgá-la no âmbito da 4ª Região e de examinar os seus reflexos nas averbações já efetivadas, bem como nas concessões de abono de permanência e de aposentadorias." (5182687)
Para melhor compreensão, repisa-se a mudança de entendimento promovida pelo Tribunal de Contas da União acerca da matéria.
(1) Acórdão TCU 25-Plenário, de 22-1-2003: na averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar deve ser computando integralmente o período certificado (contagem data a data); este entendimento foi seguido pelo Conselho da Justiça Federal nos termos da Resolução CJF 141/2011;
(2) Acórdão TCU 205-Plenário, de 5-2-2020: na averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar, deve ser aplicada a regra insculpida na Lei 6.880/1980, artigo 134, § 2º (fator de ponderação).
A título de ilustração, e de acordo com os dados da primeira tabela da Informação 5186316, verifica-se que a aplicação da mudança de entendimento do TCU representa, em média, uma redução de 300 (trezentos) dias para, aproximadamente, 180 (cento e oitenta) dias no tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar.
Neste contexto, para examinar os reflexos da mudança de entendimento do TCU nas averbações já efetivadas, bem como nas concessões de abono de permanência e de aposentadorias, é necessário definir o momento a partir do qual o novo entendimento deve ser aplicado.
Nesse sentido, salientamos que o procedimento que vinha sendo adotado, no âmbito deste Regional, de averbação do tempo integral da certidão de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar estava amparado na Resolução CJF 141/2011, que ainda mantém essa previsão, a qual, por sua vez, como adiantado, segue o entendimento firmado pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão TCU 25/2003-Plenário, de 22-1-2003. Assim, a situação em tela parece tratar-se de mudança de interpretação da norma. Neste caso, a nova interpretação sobre a Lei 6.880/1980 acarreta aplicação do fator de ponderação previsto em seu artigo 134, § 2º, quando o tempo militar é averbado na esfera civil.
Seguindo essa linha de entendimento, a questão poderia ser equacionada mediante a aplicação da Lei 9.784/1999, a qual estabelece que, nos processos administrativos, deve ser adotada a "interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação ", nos termos do artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, adiante reproduzidos.
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Dessa forma, considerando o critério estabelecido na Lei 9.784/1999, sugerimos que a mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União seja aplicada a partir de 5-2-2020, data da sessão do Acórdão TCU 205/2020-Plenário, sendo preservadas as vantagens e benefícios concedidos em data anterior. Tal compreensão ensejaria a revisão das averbações dos servidores em atividade, aplicando-se o novo posicionamento do Tribunal de Contas da União para ajustar o tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar, com repercussão, a partir de 5-2-2020, na concessão de benefícios (abono de permanência e aposentadoria).
Registra-se que, no âmbito deste Regional, não foi identificada concessão de aposentadoria, a contar de 5-2-2020, a servidor com averbação de tempo de serviço prestado como aluno de órgão de formação da reserva militar, de modo que a mudança de entendimento do TCU não teria repercussão sobre aposentadorias já concedidas.
Na hipótese de serem identificadas concessões de abono de permanência, ocorridas a partir de 5-2-2020, efetivadas com amparo em averbação de tempo dessa natureza, entendemos, s.m.j., pela revisão da respectiva averbação de tempo de serviço e da concessão do abono de permanência, dispensando-se, se for o caso, a devolução de valores, uma vez que recebidos de boa-fé e com base em interpretação de norma administrativa que sofreu superveniente alteração. Quanto à irretroatividade da novel interpretação, já se mencionou acima o comando da Lei 9.784/1999, artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII. Já com relação à questão da boa-fé, tem-se o verbete sumular 249 do TCU, adiante reproduzido.
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
Ainda, oportuno referir que o procedimento de revisão das averbações de tempo de serviço e tempo de contribuição dos servidores ativos deste Regional é praxe administrativa e visa mantê-las em consonância com os atos normativos e decisões atinentes à matéria expedidos, principalmente, pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Tribunal de Contas da União. No tópico, salientamos o processo administrativo 95.81.00649-4 (autos físicos), no qual, em 23-2-2005, a Presidência acolheu parecer da Assessoria da Diretoria-Geral do qual transcreve-se, por pertinente, o seguinte excerto (destaques supervenientes).
Trata-se, como visto, de averiguar se é possível rever uma averbação de tempo de serviço após transcorridos mais de cinco anos de sua efetivação.
Por definição léxica “averbar” significa registrar, anotar (Novo Dicionário Aurélio). Ainda, consoante disposto já no art. 2º da Resolução nº 86/93-CJF e em todas as posteriores alterações da matéria, “averbação é o reconhecimento do tempo de serviço prestado pelo servidor, mediante assentamento em documento hábil”.
Por meio do instituto referido, portanto, a Administração apenas registra uma situação fática apresentada, mediante documento hábil, pelo interessado. É o chamado “ato administrativo declaratório”, que na lição de Hely Lopes Meirelles, é o ato “que visa a preservar direitos, reconhecer situações preexistentes ou, mesmo, possibilitar seu exercício. São exemplos dessa espécie a apostila de títulos de nomeação, a expedição de certidões e demais atos fundados em situações jurídicas anteriores”. Segundo o citado doutrinador, ainda, “apostilas são atos enunciativos ou declaratórios de uma situação anterior criada por lei. Ao apostilar um título, a Administração não cria um direito, pois apenas reconhece a existência de um direito criado por norma legal. Equivale a uma averbação.” (Direito Administrativo Brasileiro, 28ª ed. Malheiros, 2003, p. 168 e 190)
A mera anotação do tempo de serviço prestado alhures, portanto, não tem a propriedade de conferir, de imediato, direitos ao servidor. Gera, sim, uma expectativa de que aquele período possa vir a ser aproveitado, consoante as normas legais vigentes, para a concessão de algum benefício ou vantagem.
[...]
Evidencia-se, assim, a nosso ver, que o simples ato de “anotar” o tempo de serviço apresentado pelo servidor não se encontra subjugado ao comando decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, já que os eventuais “efeitos favoráveis” decorrentes daquele tempo deverão, necessariamente, ser objeto de ato a ser expedido pela administração especificamente para o fim colimado, como por exemplo, a concessão da aposentadoria ou a concessão do adicional por tempo de serviço.
...
Do exposto, acompanho o relator no que diz respeito à aprovação da proposta de Resolução que altera a redação do art. 8º da Resolução CJF n. 141/2011 e voto no sentido de que o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão TCU 205/2020-Plenário seja aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência a partir de 5.2.2020, preservando-se as vantagens e benefícios concedidos em data anterior.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. CONSELHEIRO EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: No caso sob análise, discute-se a questão inerente à forma de contagem do tempo de serviço relativo à condição de aluno de órgão de formação da reserva.
Este Conselho, seguindo a jurisprudência assente no Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 25/2003), na elaboração da Resolução nº 141/2011, previu, no seu art. 8º, XVI, a contagem de forma integral e de acordo com a proporcionalidade prevista no art. 134, §2º, da Lei nº 6.880/80.
Aproximadamente quinze anos depois, o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 205/2020), alterando entendimento anterior, passou a adotar, no cômputo de tal tempo de serviço, orientação no sentido de ser observada a proporcionalidade, por força do teor do art. 134, §2º, da Lei nº 6.880/80.
Diante disso, o relator, num dos pontos de seu voto, propõe a revisão de todas as aposentarias e abonos de permanência, deferidos em casos que tais, desde que não atingidos pela decadência.
Penso diversamente. O art. 24 da LINDB, acrescido pela Lei nº 13.655/2018[1], não somente potencializa, em favor do particular, a segurança jurídica diante de decisão proferida por órgão de controle – no caso, o Tribunal de Contas da União -, mas também diante de direito atribuído por decisão exarada na esfera administrativa.
Essa circunstância já constava da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de registro de aposentadoria, inclusive anteriormente à alteração feita à LINDB pela Lei 13.655/2019.
Elucidativo o Agravo Regimental no MS 28965 (Segunda Turma, unânime, rel. Min. GILMAR MENDES, julgamento em 10-11-2015)[2], onde se entendeu que o Tribunal de Contas da União, quando da apreciação de aposentadoria deferida em 2001 pela União, não poderia aplicar o novo entendimento constante do Acórdão 2024/2005, relativo aos requisitos para a contagem do tempo de aluno-aprendiz.
Isso justamente porque, quando o ato de aposentadoria foi publicado, outra era a orientação predominante na aludida da Corte de Contas. O ponto de vista foi noutros julgamentos (Segunda Turma, MS-AgR no 32245, unânime, TEORI ZAVASCKI, DJE de 06-11-2013[3]; Primeira Turma, MS-ED 31260, unânime, rel. Min. LUIZ FUX, DJE de 28-10-2015[4]).
Percebe-se que, para o Supremo Tribunal Federal, a obrigação de respeitar o entendimento predominante à época – posteriormente sedimentada pelo legislador (art. 24, LINDB) –, dizia respeito a que o órgão de controle deveria salvaguardar as decisões administrativas proferidas com base nas suas orientações então vigorantes.
Embasou o pensar jurisprudencial o disposto no art. 2º, parágrafo único, XIII, segunda parte, da Lei 9.784/99, o qual, já vigorante, dispõe: “XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.
Pode-se afirmar que a mudança de entendimento, no que concerne ao ponto discutido, teria decorrido de um equívoco de que era portador o ponto de vista anteriormente observado pelo Tribunal de Contas da União.
O argumento merece reparos. É indiscutível que, para uma mutação interpretativa da espécie, faz-se necessária a formulação de uma censura quanto à anterior interpretação, até porque é da sua própria natureza uma motivação razoável, pois, se tal realizado sem mais nem mais, configuraria arbitrariedade.
Esse aspecto é enfocado por Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Sousa, Guilherme Jardim Jurksaitis (Interpretações administrativas aderem à lei?. Revista de Direito Administrativo, v. 260, p. 114-116, maio/agosto de 2012), consoante os quais a alteração de uma interpretação consolidada exige um ônus argumentativo suficiente, tal como o confronto de um caso concreto com as características da prática adotada, uma mudança no contexto fático ou até mesmo um erro jurídico monumental.
O que não se admite, em nenhuma hipótese, é que tal mudança interpretativa valha para situações anteriores, já consolidadas, porquanto assim haverá afronta não somente ao preceituado pelo art. 2º, parágrafo único, XIII, segunda parte, da Lei 9.784/99, e ao art. 24 da LINDB, mas principalmente à tutela da segurança jurídica, consagrada constitucionalmente, seja no Preâmbulo ou por força do art. 5º, §2º, da Constituição, como elementar indissociável do Estado de Direito e, por isso, projetando além da preservação da tríade tradicional do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.
Tecidas essas considerações, divirjo, do voto do Relator apenas nesta parte, para, com as vênias de estilo, acompanhar o voto-vista do Conselheiro Ricardo do Vale Pereira.
[1] Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.
[2] Agravo regimental no mandado de segurança. 2. Tribunal de Contas da União. 3. Aposentadoria. 4. Cômputo do tempo laborado na condição de aluno-aprendiz. Princípio da segurança jurídica. 5. Impossibilidade da aplicação da nova interpretação da Súmula 96 do TCU, firmada no Acórdão 2.024/2005, às aposentadorias concedidas anteriormente. Precedentes do STF. 6. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.
[3] Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ALUNO-APRENDIZ. CONTAGEM DE TEMPO PARA APOSENTADORIA. CRITÉRIOS MAIS RÍGIDOS FIXADOS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EXIGÊNCIA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Esta Corte não admite a exigência retroativa dos critérios mais rígidos, nos termos do Acórdão TCU 2.024/2005, às aposentadorias anteriores, para comprovação do tempo de serviço prestado na condição de aluno-aprendiz. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
[4] Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR LAUREANA VENANCIA DA SILVA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELA UNIÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NA CONDIÇÃO DE ALUNO-APRENDIZ. NOVA ORIENTAÇÃO DA CORTE DE CONTAS FIRMADA NO ACÓRDÃO Nº 2.024/2005. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE NOVO ENTENDIMENTO ADMINISTRATIVO À APOSENTADORIA JÁ CONCEDIDA. EFEITO PATRIMONIAL A PARTIR DA IMPETRAÇÃO. AGRAVOS REGIMENTAIS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. CONSELHEIRO HUMBERTO MARTINS (Presidente): Cuida-se de consulta formulada pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encaminhada por meio do Ofício - 5693207 - GPRES, tratando da ocorrência ou não da derrogação do disposto no art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011, diante da mudança do entendimento promovida pelo Tribunal de Contas da União – TCU em relação ao tratamento a ser dado à averbação do tempo de serviço militar oriundo de órgão de formação de reserva.
O voto do ilustre Relator – Conselheiro MESSOD AZULAY NETO – foi no sentido de aprovação da proposta de Resolução que altera a redação do art. 8º da Resolução CJF n. 141/2011, nos moldes da minuta apresentada, devendo o entendimento firmado pela Corte de Contas no Acórdão TCU 205/2020-Plenário ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência não fulminados pela decadência, nos termos na lei 9.784/1999, dispensando-se a reposição dos valores percebidos indevidamente sob a égide da redação original da Resolução CJF n. 141/2011.
O Conselheiro RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, em seu voto-vista (id. 0285845), acompanha o eminente Relator no que diz respeito à aprovação da proposta de Resolução, contudo, entende que o novo posicionamento do TCU deve ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência a partir de 5/2/2020, data da prolação do Acórdão TCU 205/2020-Plenário, preservando-se as vantagens e benefícios concedidos em data anterior.
De fato, observo que a proposta de minuta de Resolução está em consonância com o atual entendimento do Tribunal de Contas da União, ou seja, é “computável, como tempo de serviço público civil, o período de Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e de outros órgãos análogos, reconhecidos na forma da lei militar e apenas para aposentadoria nos termos da regra insculpida no art. 134, § 2º, da Lei n. 6.880/1980”.
Portanto, é incontroversa a redação a ser dada para o art. 8º, inciso XVI, da Resolução CJF n. 141/2011. Contudo, a divergência recai sobre a partir de quando será aplicada a decisão do TCU (Acórdão n. 205/2020-Plenário).
Entretanto, como bem afirmado no voto-vista, a mudança de posicionamento do TCU não pode alcançar as aposentadorias, as averbações e os abonos de permanência já concedidos, conforme previsão do art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 9.784/1999. Não me parece razoável retroagir o novo entendimento do Tribunal de Contas da União, sob pena de violar o resguardo da certeza do direito e da estabilidade das situações jurídicas.
Pelo exposto, peço vênia ao ilustre Relator para acompanhar o posicionamento do Conselheiro RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, ou seja, o Acórdão TCU 205/2020-Plenário deve ser aplicado aos casos de concessão de aposentadorias e de abonos de permanência a partir de 5/2/2020, preservando-se as vantagens e benefícios concedidos em data anterior.
É como penso. É como voto.
Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Conselheiro
Ministro HUMBERTO MARTINS
Presidente
Autenticado eletronicamente por Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Presidente TRF4, em 16/12/2021, às 12:59, conforme art. 1º, §2º, III, b, da Lei 11.419/2006. |
Autenticado eletronicamente por Ministro HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS, Presidente, em 17/12/2021, às 12:49, conforme art. 1º, §2º, III, b, da Lei 11.419/2006. |
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