CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
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Acórdão Nº 0216764
PROCESSO N. 0000435-61.2020.4.90.8000
RELATOR: Vice-Presidente do CJF e Corregedor-Geral da Justiça Federal Ministro JORGE MUSSI
ASSUNTO: Competência delegada
EMENTA
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA FEDERAL DELEGADA. LEI 13.876/2019. RESOLUÇÃO CJF 603/2019. AFERIÇÃO DOS 70 QUILÔMETROS. CÁLCULO DEVERÁ SER FEITO COM BASE NA DISTÂNCIA REAL DE ACESSO E NÃO EM LINHA RETA. UNIFORMIZAÇÃO PARA TODA A JUSTIÇA FEDERAL.
I - A Emenda Constitucional n. 103, de 2019 (DOU de 13.11.2019), alterou substancialmente a regra de competência delegada prevista no art. 109, § 3º da Constituição Federal, para dispor que lei poderá autorizar os critérios para as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual e desde que a comarca do domicílio do segurado não seja sede de vara federal.
II - O tema é objeto da Lei n. 13.876/2019, segundo a qual haverá competência delegada de vara estadual para julgar um processo previdenciário nos casos em que a comarca de domicílio do autor da ação estiver a mais de 70 km de algum município sede de vara federal.
III - A Resolução n. 603 do CJF, a par de ter estabelecido que as comarcas dotadas de competência federal seriam definidas tomando-se por premissa a distância entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, não estabeleceu claramente o critério de medição para aferir os 70 km.
IV - Hipótese que merece atuação do Colegiado para uniformizar em toda a Justiça Federal que os 70 km deverão ser apurados com base na distância real de deslocamento e não em linha reta.
V - Pedido de Providências julgado procedente, mediante a revisão da Resolução n. 603 deste Conselho.
ACÓRDÃO
O Conselho, por maioria, DECIDIU JULGAR PROCEDENTE o pedido de providências, nos termos do voto do relator. Vencidos os Conselheiros SÉRGIO KUKINA (Suplente), I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, MAIRAN MAIA e VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS. Acolhida a sugestão do Conselheiro VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS de que o relator atualize as datas previstas no artigo 2º da minuta de resolução apresentada. Presidiu o julgamento o Ministro HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS. Plenário, 26 de abril de 2021. Presentes à sessão os Conselheiros HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS, VILLAS BÔAS CUEVA, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SÉRGIO KUKINA (Suplente), I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES, MESSOD AZULAY NETO, MAIRAN MAIA, VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS e EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR. Ausente justificadamente o Conselheiro JORGE MUSSI.
RELATÓRIO
O EXMO. CONSELHEIRO MINISTRO JORGE MUSSI (VICE-PRESIDENTE E CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA FEDERAL):
Trata-se de procedimento de controle administrativo apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Judiciária do Paraná (0002799-21.2020.4.90.8000) e de Pedido de Providências apresentado pelos advogados Josiane Borghetti Antonelo Nunes e Claudionei Slongo (0000435-61.2020.4.90.8000).
As insurgências manifestadas têm por fundamento comum o critério adotado para a elaboração da tabela de comarcas com competência delegada pelo Tribunal Regional Federal, cuja Portaria TRF4 n. 1351/2019, em tese, não teria observado a Resolução CJF 603/2019, que levou em conta a distância em linha reta e não a distância do real deslocamento para fixar as competências.
O TRF4 apresentou informações (id 0147952), defendendo o ato posto a controle. Relatou que a controvérsia seria também objeto de Procedimento de Controle Administrativo no Conselho Nacional de Justiça, sob a relatoria do Conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen, asseverando, acerca do mérito da controvérsia, que a lei não teria estabelecido parâmetros de aferição dos 70 km, e que caberia ao CJF a regulamentação. Por fim, aduziu que o critério utilizado não atentaria contra o acesso à jurisdição e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
A instrução foi também levada a efeito nos autos do processo 0000435-61.2020.4.90.8000, onde houve manifestação dos TRFs a respeito do cumprimento da Resolução CJF 603/2019 (ids 0112225, 0112257, 0112258, 0112262 e 0112265). O TRF2, por sua vez, reporta dúvida havida durante a confecção da lista das comarcas com competência delegada, relacionada à divergência entre a competência da Justiça Federal e a divisão judiciária estabelecida pela Justiça Estadual para as Comarcas naquela região. (id 00153308)
Foi noticiada nos autos a existência de um projeto de lei que objetiva regulamentar o disposto no § 3º do art. 109 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, tomando por base a distância rodoviária percorrida (id 0154614).
Houve, por fim, a juntada de Ofício do STJ, no qual é noticiado ao CJF a instauração de incidente de competência, que tem por objeto os efeitos da Lei n. 13.876/2019 (id 0156011).
É o breve relatório.
VOTO
O EXMO. CONSELHEIRO MINISTRO JORGE MUSSI (VICE-PRESIDENTE E CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA FEDERAL):
1. A Emenda Constitucional n. 103, de 2019 (DOU de 13.11.2019), alterou substancialmente a regra de competência delegada prevista no art. 109, § 3º da Constituição Federal, para dispor que lei poderá autorizar os critérios para as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual e desde que a comarca do domicílio do segurado não seja sede de vara federal.
A Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, que no ponto entrou em vigor em 1º de janeiro de 2020, reformulando o art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966, estabeleceu que:
Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
(…) III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;
Do cenário normativo posto, restou consolidado que haverá competência delegada de vara estadual para processar e julgar as causas de natureza previdenciária e aquelas que buscam a concessão de benefício de prestação continuada (BPC/LOAS) nos casos em que a comarca de domicílio do autor da ação estiver a mais de 70 km de algum município sede de vara federal.
O Conselho da Justiça Federal, antecipando-se a entrada em vigor da Lei n. 13.876, com a finalidade de sistematizar no âmbito de toda a Justiça Federal o entendimento a respeito da aferição dos 70 km, editou a Resolução n. 603, publicada em 26 de novembro de 2019 (id 0078733), estabelecendo que:
Art. 2º. O exercício da competência delegada é restrito às comarcas estaduais localizadas a mais de 70 quilômetros do Município sede da vara federal cuja circunscrição abranja o Município sede da comarca.
§ 1º. Para definição das comarcas dotadas de competência delegada federal na forma do caput deste artigo, deverá ser considerada a distância entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, em nada interferindo o domicílio do autor.
§ 2º. A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá considerar a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou em outra ferramenta de medição de distâncias disponível.
Não obstante a sistematização estabelecida, percebe-se das manifestações apresentadas pelos postulantes (ids 0142232, 0097827 e 0148421), corroboradas pelas informações trazidas pelos Tribunais Regionais Federais (id 0124920, 0153308, 0104532, 0130605 e 0127921), que se faz necessário deliberar e aclarar o critério para aferição da distância, isto por que, em um mesmo sistema de justiça, não se pode manter disciplinas assimétricas entre as cinco regiões, sob pena de conferir tratamento não isonômico aos cidadãos que têm iguais direitos perante a Lei.
Para exemplificar a ausência de simetria entre os TRFs no critério definido para estabelecer os 70km, vale citar a regulamentação promovida pelo TRF5, por meio do Ato n. 229/2020, no qual deixa claro ter utilizado como critério a distância real e não em linha reta (id 0127921):
CONSIDERANDO as disposições contidas na Resolução nº 603, de 12 de novembro de 2019, do Conselho da Justiça Federal;
CONSIDERANDO as determinações contidas no Ofício nº 0112265/CJF, da Presidência do Conselho da Justiça Federal, para que os Tribunais disponibilizem, em suas páginas na Internet, a lista das comarcas com competência federal delegada, confeccionada com a distância real de acesso às Seções ou Subseções Judiciárias Federais;
CONSIDERANDO que a listagem anterior das comarcas, divulgada através do Ato da Presidência nº 480, de 13 de dezembro de 2019, foi construída com observância de distâncias “em linha reta”, que não consideram as facilidades ou dificuldades de acesso rodoviário entre as cidades em questão;
CONSIDERANDO o decidido, por unanimidade, pelo Conselho da Justiça Federal, no julgamento do Pedido de Providências nº 0006509-11.2019.4.90.8000, em 10.02.2020, sob a relatoria da Conselheira Maria Thereza de Assis Moura, Corregedora-Geral da Justiça Federal, no qual restou aprovada a “recomendação da Corregedoria-Geral, no sentido de que a fixação da competência delegada nas ações previdenciárias seja orientada pela distância das Seções/Subseções Judiciárias em relação às Comarcas Estaduais, sendo irrelevante, para essa finalidade, a distância daquelas primeiras em relação ao município de residência do autor”
O TRF4, por sua vez, levou em consideração a linha reta para elaboração da lista das comarcas com competência delegada no âmbito da sua Região, como se vê da manifestação do seu Ilustre Presidente (id 0130605):
“Esta Corte elaborou a lista em referência com base nos critérios estabelecidos no artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Resolução CJF nº 603/2019. Considerando a faculdade prevista no último desses dispositivos, e que a competência federal delegada, enquanto condição da ação, é matéria cuja disciplina não convém seja entregue à alteração senão por força de lei (artigo 109, § 3º, da Constituição da República, na redação dada pela EC 103/2019) - em face do risco à segurança jurídica decorrente de eventual modificação de malha rodoviária -, a definição das comarcas com competência federal delegada, no âmbito da 4ª Região, levou em conta a distância (em linha reta) entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, ao passo que a apuração dos 70 quilômetros foi feita com base na tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A lista foi disponibilizada na página da internet deste Tribunal na data de 26-3-2020 (clique aqui), quando se divulgou a Portaria TRF4 nº 1351/2019, que publicou a Lista das Comarcas da Justiça Estadual com Competência Federal Delegada no âmbito deste Regional.
Compulsando os autos verifica-se que o então Presidente do Conselho da Justiça Federal, Ministro João Otávio de Noronha, ciente dos questionamentos apresentados no CJF sobre o critério adotado para aferir os 70 km, oficiou a presidência de todos os TRFs (ids 0112225, 0112257, 0112258, 0112262 e 0112265), para que se manifestassem sobre o assunto.
Convém ressaltar excerto da correspondência remetida pelo Excelentíssimo Presidente naquela ocasião:
"Lembro a Vossa Excelência que a tabela de distância entre as cidades precariamente fornecida pelo IBGE foi construída com observância de distâncias "em linha reta", que não consideram as facilidades ou dificuldades de acesso rodoviário entre as cidades consideradas.
Atentos ao problema, deliberamos, na reunião prévia que antecedeu a sessão de fevereiro de 2020, que os próprios Tribunais Regionais Federais confeccionariam sua tabela de distâncias, utilizando-se de ferramentas iguais ou similares ao Google Maps, enquanto o IBGE não conseguisse se desincumbir dessa tarefa de maneira adequada. A possibilidade está albergada no §2° do artigo 2º supra transcrito, que legitima a utilização de outras ferramentas de medição de distâncias disponíveis.
Feitas essas considerações, solicito a Vossa Excelência informar se foram tomadas as necessárias medidas, por esta Corte Regional, para disponibilizar, em suas páginas da internet, a lista das comarcas com competência federal delegada, confeccionada com a distância real de acesso às Seções ou Subseções Judiciárias Federais. Solicito, mais, o envio do competente normativo e da tabela nele ancorada para este Conselho da Justiça Federal, para que possamos atender à necessidade de divulgação em nossa página na internet.
Tem-se, portanto, que na composição anterior deste Colegiado já havia um entendimento uniforme quanto à utilização da distância real de deslocamento, e não em linha reta, para a elaboração da lista das comarcas estaduais que exercerão competência delegada.
Assim, para não deixar margem a dúvidas, e para que fique estabelecido um critério único a ser uniformemente aplicado pelas cinco regiões da Justiça Federal, submete-se este feito à apreciação do Colegiado para que haja deliberação expressa no sentido de que os 70 km estabelecidos pela Lei n. 13.876/2019 devem ser aferidos com base na distância real de deslocamento e não em linha reta.
Há que ser considerado para fixação inequívoca deste parâmetro para toda a Justiça Federal, que a jurisdição delegada sempre teve por finalidade garantir aos cidadãos o pronto acesso à justiça em matéria previdenciária, sendo, portanto, indiscutível a relevância social desta questão, que tangencia parcelas não raro carentes da sociedade, de modo que não se pode coadunar que políticas administrativas judiciárias violem ou impeçam o exercício de direitos, menos ainda que tenhamos em nosso País cidadãos usufruindo do serviço público judicial com diferentes condições de acesso.
Deste modo, sugere-se que seja modificado o art. 2º da Resolução n. 603/2019, para constar expressamente que a apuração da distância será feita observando-se o deslocamento real, e não em linha reta.
E para que não haja descontinuidade, nem prejuízos inerentes às competências já instauradas, proponho também acrescentar ao texto da nova Resolução a ser editada por este Conselho, que a entrada em vigor da diretriz sobre a obrigatoriedade de ser observada a distância do deslocamento real será a partir de 1º de abril de 2021, ficando estabelecido que as ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas no período de 1º de janeiro de 2020 a 31 de março de 2021, cuja competência territorial tenha sido alterada em decorrência da Resolução CJF n. 603, de 12 de novembro de 2019, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo federal ao qual foram distribuídas, em atenção ao art. 43 do Código de Processo Civil.
Redação anterior (Resolução 603/2019-CJF) |
Nova redação proposta |
Art. 2º. (...) § 2º. A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá considerar a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou em outra ferramenta de medição de distâncias disponível. |
Art. 2º. (...) § 2º. A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá observar o deslocamento real, e não em linha reta, conforme tabelas disponíveis em ferramentas de órgãos oficiais, Google Maps ou similares. |
Ressalto que a controvérsia ora solucionada deveu-se em parte ao fato de que a tabela atualmente disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE leva em consideração a distância (em linha reta) entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, assim, até que este órgão tenha condições de oferecer uma tabela que calcule estes trajetos com base nas distâncias reais de deslocamento, tomando por premissa as rodovias, hidrovias e ferrovias, deverão os Tribunais utilizarem de outras ferramentas de medição de distâncias disponíveis.
Nesse sentido, os Tribunais Regionais Federais que editaram regulamentação própria sem a observância da distância real de deslocamento, deverão rever e adequar os seus atos.
Por fim, merece ser registrado que o Procedimento de Controle Administrativo n. 0006090-53.2020.2.00.0000, que tramita no Conselho Nacional de Justiça sobre este mesmo assunto, tendo por partes requeridas este Conselho e o TRF4, atualmente encontra-se em instrução, aguardando parecer da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania, a pedido do Conselheiro Relator, Luiz Fernando Tomasi Keppen. Deste modo, como ainda não foi enfrentado o mérito naquele Conselho, uma vez uniformizada a matéria no âmbito do CJF, deverá ser este julgamento comunicado imediatamente ao CNJ.
2. Quanto à situação trazida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por meio do Ofício TRF2-OFI-2020/13063 (id 0153308), relacionada à divergência verificada entre a competência da Justiça Federal e a divisão judiciária estabelecida pela Justiça Estadual para as Comarcas naquela Região, tem-se que configura situação interna a ser resolvida no âmbito daquele Tribunal, cumprindo a este Conselho estabelecer apenas os parâmetros gerais em torno da regulamentação da Lei n. 13.876/2019.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências e proponho a revisão da Resolução n. 603, de 12 de novembro de 2019, nos termos da redação proposta.
É o voto.
MINISTRO JORGE MUSSI
Vice-Presidente e Corregedor-Geral da Justiça Federal
MINUTA DE RESOLUÇÃO
Dispõe sobre a alteração do art. 2º da Resolução CJF n. 603, de 12 de novembro de 2019, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o decidido nos Processos SEI n. 0000435-61.2020.4.90.8000 e 0002799-21.2020.4.90.8000, na sessão de ____ de _____ de 2021,
RESOLVE:
Art. 1º Alterar o § 2º do art. 2º da Resolução CJF n. 603, de 12 de novembro de 2019, que passa a vigorar com a seguinte redação:
“§ 2º A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá observar o deslocamento real, e não em linha reta, conforme tabelas disponíveis em ferramentas de órgãos oficiais, Google Maps ou similares.” (NR)
Art. 2º As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas no período de 1º de janeiro de 2020 até 31 de março de 2021, cuja competência territorial tenha sido alterada em decorrência da Resolução CJF n. 603, de 12 de novembro de 2019, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo federal ao qual foram distribuídas, em atenção ao art. 43 do Código de Processo Civil.
Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
VOTO DIVERGENTE Nº 0196566 - PLE - 4ª REGIÃO
O EXMO. CONSELHEIRO DESEMBARGADOR FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS: Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo e de Pedido de Providências apresentados, o primeiro, pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Judiciária do Paraná (0002799-21.2020.4.90.8000) e, o segundo, pelos advogados Josiane Borghetti Antonelo Nunes e Claudionei Slongo (0000435-61.2020.4.90.8000), ambos pleiteando seja alterado o critério adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região para editar a Portaria nº 1.351/2019, por meio da qual foi publicada a lista de comarcas com competência federal delegada, nos termos dos artigos 15, da Lei 5.010/66, na redação dada pelo artigo 3º, da Lei 13.876/19, e artigos 2º e 3º, da Resolução CJF 603/2019, tendo em vista que a Corte tomou por parâmetro de medição dos 70 km, não o trajeto terrestre, ou seja, a distância percorrida por via públicas ou rodovias entre as cidades, mas a apurada a partir de uma linha reta, conforme tabela do IBGE.
O Relator, acolhendo o pedido, julga procedente a impugnação para alterar o próprio artigo 2º, §2º, da Resolução CJF 603/2019, o qual estaria a ensejar divergências interpretativas, a fim de considerar que a apuração da distância deva ser realizada observando-se o deslocamento real, e não em linha reta, que é aquele atualmente informado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Eis a atual redação do dispositivo:
Art. 2º. O exercício da competência delegada é restrito às comarcas estaduais localizadas a mais de 70 quilômetros do Município sede da vara federal cuja circunscrição abranja o Município sede da comarca.
§ 1º. Para definição das comarcas dotadas de competência delegada federal na forma do caput deste artigo, deverá ser considerada a distância entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, em nada interferindo o domicílio do autor.
§ 2º. A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá considerar a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou em outra ferramenta de medição de distâncias disponível.
Com a devida vênia, outro é meu entendimento.
O artigo 15, inciso III, da Lei 5.010/66, nos termos da novel redação conferida pelo artigo 3º da Lei 13.876/2019, prevê que, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de município sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas naquela as causas nas quais sejam parte instituição de previdência social e segurado, alusivas a benefícios de natureza pecuniária. Por conseguinte, estabelece o critério para delimitar a competência federal delegada, todavia, não dispõe sobre os parâmetros para aferir a distância.
Nessa senda, este Conselho, cumprindo seu mister constitucional, com respaldo no artigo 105, parágrafo único, inciso II, da Constituição da República e nos artigos 3º e 5º, inciso I, da Lei 11.798/2008, expediu a Resolução nº 603/2019, regulamentando o artigo 15 da Lei 5.010/66, com o fito de estabelecer critérios uniformes e evitar tratamento diverso da matéria nas Cortes Regionais Federais. Assim, definiu no artigo 2° antes reproduzido, que o exercício da competência delegada será restrito às Comarcas Estaduais distantes mais de 70 km (setenta quilômetros) de Vara Federal, cuja circunscrição abranja a unidade federativa na qual sediada aquela, devendo ser considerada a distância entre os centros urbanos dos respectivos municípios-sede (da subseção judiciária e da comarca), conforme tabela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou outra ferramenta de medição disponível.
Já no âmbito do tribunal, cujo ato é objurgado, restou editada a Portaria nº 1351/2019, elencando as Comarcas que mantêm a competência federal delegada para processamento e julgamento das demandas previdenciárias, considerando-se a distância em linha reta com base em tabela do mencionado Instituto, parâmetro preferencial instituído por este Conselho.
Pois bem, seja qual for a decisão deste Colegiado, quer me parecer que ela não pode olvidar duas premissas absolutamente indispensáveis à adequada compreensão da matéria:
1 – não foi o Tribunal Regional Federal da 4ª Região quem criou o critério de “linha reta” para medição dos 70 km, mas, sim, o IBGE; a Corte, ao adotá-lo como sendo um dentre os elegíveis pela Resolução CJF 603/2019, em momento algum exorbitou do seu poder regulamentar;
2 – diferentemente do que alegam, genericamente, a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil e os advogados que apresentaram o Pedido de Providências, é preciso ter em mente que, por imposição legal, os 70 km (setenta quilômetros) devem ser apurados levando-se em conta a distância existente entre o município-sede da Vara Federal e daquele que sediar a Comarca, é dizer, a quilometragem que interessa para fins de medição não é aquela referente ao deslocamento da cidade de domicílio do segurado, mas da comarca a que essa fizer parte, conforme a lei de organização judiciária da respectiva unidade da Federação, muito embora, eventualmente, aquela localidade possa ser a sede do referido Juízo Estadual.
Prossigo.
O normativo impugnado revela-se consentâneo com a legislação e com o regramento do órgão de cúpula da administração judiciária federal, bem assim teve reconhecida amplamente sua legalidade pelas Turmas Previdenciárias da referida Corte Regional, haja vista a sua aplicação para dirimir conflitos acerca da competência para processamento e julgamento de ações de jaez previdenciário. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DISTÂNCIA ESPACIAL. PORTARIA TRF4 Nº 1351/2019. RESOLUÇÃO Nº 603/2019 DO CJF. A Lei nº 13.876/2019 não estabeleceu critérios para a aferição da distância de mais de 70 km de Município sede de Vara Federal, para fins de definição da competência federal delegada, sendo que os critérios de enquadramento foram fixados pela Resolução nº 603/2019, do CJF. A Portaria nº 1.351/2019 do TRF da 4ª Região atende ao disposto no artigo 2º da Resolução nº 603/2019 do CJF, sendo que o critério estabelecido no § 1º desse dispositivo não pode ser interpretado isoladamente, mas, sim, lido em conjunto com a redação do caput do artigo 2º, numa interpretação sistêmica e conjunta. (TRF4, AG 5014616-42.2020.4.04.0000, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Relator Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 02-7-2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA. 1. A decisão agravada está em consonância com o disposto no artigo 109, § 3º, da Constituição Federal, alterado pela EC nº 103, de 12 de novembro de 2019, art. 3º da Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, que alterou o inciso III do art. 15 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, e de acordo com o Portaria nº 1.351, publicada em 16/12/2019, deste Tribunal Regional Federal, que elencou as Comarcas de Justiça Estadual com competência federal delegada, no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região, não constando a Comarca de domicílio do segurado (Osório) na relação. 2. Considerando que o feito originário foi distribuído após o dia 1º de janeiro de 2020, não incidem à hipótese dos autos os efeitos da decisão proferida pelo Ministro Mauro Campbell Marques, do e. STJ, em 17/12/2019, nos autos do Conflito de Competência nº 170.051/RS, relacionada a interpretação dos arts. 3º e 5º da Lei nº 13.876/2019, suscitando admissão de Incidente de Assunção de Competência, na qual determinou a suspensão, em todo o território nacional, de qualquer ato destinado a redistribuição de processos pela Justiça Estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal, até o julgamento definitivo do IAC no Conflito de Competência. (TRF4, AG 5017496-07.2020.4.04.0000, Quinta Turma, Relatora Juíza Federal Gisele Lemke, juntado aos autos em 8-7-2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO.DECISÃO QUE DETERMINOU A REMESSA DE AÇÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, AJUIZADA EM 2020, PARA A SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE LONDRINA-PR, EM FACE DA ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº 13.876/2019, SANCIONADA EM 23-9-2019, E DA PORTARIA Nº 1.351/2019 DO TRF4. 1. Hipótese em que a decisão interlocutória agravada versa sobre competência, devendo ser dado seguimento ao recurso. 2. A Lei nº 13.876/2019, de 20 de setembro de 2019, entrou em vigor em 1-1-2020, a teor do que estabelece o art. 5º, I, sendo plenamente aplicável o disposto no art. 3º, que deu nova redação ao art. 15 da Lei nº 5.010/1966. 3. Trata-se de aplicação do entendimento fixado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) em sessão ordinária, ocorrida em 11-11-2019, ao aprovar a Resolução nº 603/2019, destinada à regulamentação uniforme nas cinco regiões da Justiça Federal, sobre a restrição ocorrida ao exercício da competência federal delegada aplicável às comarcas de domicílio do segurado quando inferiores a 70 km (setenta quilômetros) da sede de Vara Federal. 4. A Resolução nº 603/2019 estabeleceu, ainda, a competência do Tribunal Regional Federal respectivo para a prévia indicação das comarcas que se enquadram no critério de distância estabelecido em lei, sendo a lista publicada em 16-12-2019, por meio da Portaria nº 1.351/2019. 5. Hipótese em que Comarca Estadual de Cornélio Procópio não está incluída na lista, pois localizada a menos de 70 km da Subseção de Londrina, não persistindo a competência da Justiça Estadual delegada para os processos ajuizados a partir de 1-2020. 6. De outro lado, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Incidente de Assunção de Competência no Conflito de Competência nº 170.051 determinando a imediata suspensão, em todo o território nacional, de qualquer ato de redistribuição de processos da Justiça Estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal, até o julgamento definitivo do incidente, e ressaltando que os processos ajuizados deverão ter regular tramitação e julgamento, restringe-se a solucionar o impasse com relação aos processos em trâmite anteriormente à vigência da Lei nº 13.876/2019. 7. Correto o Juízo a quo ao afastar a competência delegada e remeter o processo para a Subseção Judiciária de Londrina-PR, com jurisdição federal sobre a Comarca Estadual de Cornélio Procópio-PR. (TRF4, AG 5007818-65.2020.4.04.0000, Turma Regional Suplementar do Paraná, Relator Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 16-7-2020, destaquei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. COMARCA A MENOS DE 70 KM DE VARA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE DELEGAÇÃO DA JURISDIÇÃO FEDERAL. 1. A Emenda Constitucional 103, em vigor desde 13/11/2019, alterou a redação do § 3º do art. 109 da Constituição da República, dispondo que a "Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal." 2. A Lei 13.876, de 20/09/2019, alterando o inc. III do art. 15 da Lei 5.010/66, limitou o exercício da competência delegada às comarcas situadas a mais de 70 km de municípios sede de Vara Federal, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2020. 3. In casu, a demanda originária foi proposta, em 23/04/2020, na Comarca de Triunfo/RS, município (CEP 95.840-000) dentro da circunscrição da Subseção Judiciária de Porto Alegre/RS, desta estando, em linha reta, a menos de 70 Km (48 Km) de distância, razão pela qual a respectiva Comarca não consta no rol do Anexo I à Portaria 1.351/2019, como sendo dotada de competência federal delegada. (TRF4, AG 5015356-97.2020.4.04.0000, Sexta Turma, Relator Juiz Federal Júlio Guilherme Berezoski Schattschneider, juntado aos autos em 17-7-2020, grifei)
Por outro lado, necessário pontuar que, ao contrário do afirmado, não se pode dizer que a utilização da distância rodoviária seja algo como uma interpretação autêntica da Resolução CJF nº 603/2019, nem mesmo que tenha havido consenso quanto à sua adoção ou que esse parâmetro pudesse ser havido como prevalente para fins de medição dos 70 km (setenta quilômetros), isso porque o Colegiado tinha ciência que a “linha reta” era o critério, digamos assim, oficial, haja vista ser o empregado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE na elaboração das suas tabelas de distância.
Ao depois, entendo que não apenas a Portaria TRF4 1351/2019 observou o critério previsto no artigo 2º, § 2º, da Resolução CJF 603/2019, mas, também, que o parâmetro da “linha reta” deve ser mantido por este Conselho, ao menos como um dos elegíveis para aferição da distância de 70 km (setenta quilômetros), enquanto tal metodologia, porque oficial, não for substituída pelo próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Considerando que o referido Instituto é o órgão da Administração Pública Federal competente para prover dados e informações aos segmentos governamentais e civis, suas medições devem ter prevalência sobre plataformas privadas, que sabidamente divergem entre si, com potencial de provocar outras discussões ou dúvidas decorrentes dos critérios por elas utilizados, a exemplo de debates acerca de quais traçados rodoviários estão aptos a serem considerados para fins de deslocamento terrestre e acesso entre os municípios-sede da Subseção Judiciária e da Comarca.
Aliás, é pertinente registrar que todo o tratamento das informações cartográficas e geodésicas no país é realizado e coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como previsto na Lei nº 5.878/1973, que criou a então Autarquia, e no Decreto-lei nº 243/1967, que fixou as Diretrizes e Bases da Cartografia Brasileira.
Vale dizer, todas as questões territoriais nacionais são por ele analisadas, sempre com base em dados técnicos, softwares específicos e informações georreferenciadas, a exemplo do Cadastro de Localidades, disponível em (https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/ estrutura-territorial/27385-localidades.html?=&t=o-que-e).
Com efeito, a própria “Malha Municipal”, em que divisas e limites de Estados e Municípios são indicados, é definida e atualizada, anualmente, pelo IBGE, com observância das mais novas geotecnologias disponíveis. (https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/ malhas-territoriais/15774-malhas.html?=&t=o-que-eas)
Esse conjunto de informações parece indicar a complexidade que perpassa todo o trabalho desenvolvido pelo IBGE e cujos resultados pautam, para o que ora interessa, a definição da distância entre Municípios, demarcando, para os fins da Lei 13.876/2019 e da Resolução CJF 603/2019, os limites da competência previdenciária da Justiça Federal, distribuída entre as suas subseções judiciárias e delegada às Comarcas por elas abrangidas territorialmente.
Já o cálculo da distância em linha reta, que é o critério atualmente adotado pelo referenciado Instituto para medir a distância entre duas localidades, mostra-se baseado em metodologia científica e – o que é mais importante – é estreme de dúvidas, ou seja, não está sujeito a conveniências ou variantes de qualquer natureza, motivo pelo qual constitui parâmetro seguro.
Nesse contexto, o caráter oficial das informações divulgadas anualmente pelo IBGE deve, como regra, prevalecer em detrimento dos demais dados apurados por entidades privadas, sites e aplicativos, cuja origem e precisão, em realidade, não são submetidas a qualquer controle.
Aliás, ao se utilizar dados não oficiais para a fixação da distância entre Municípios e, com isso, o estabelecimento da competência delegada, está-se admitindo que informações provenientes de particulares, sem a necessária supervisão do Estado, definam competências jurisdicionais, interferindo, em certa maneira, no próprio exercício do monopólio estatal da jurisdição.
Evidentemente, ao eleger a quilometragem percorrida por usuários de vias públicas ou rodoviárias como parâmetro de medição de distância e com isso definir a competência da Justiça Federal, não com base em informação precisa de órgão oficial, mas de empresas privadas que disputam esse valioso segmento comercial, este Conselho deverá ter em mente que estará admitindo a possibilidade, real e concreta, de que aquela deverá ser revista periodicamente, novamente não por critérios de Administração Judiciária, mas dela apartados, porque derivados, já então, de equívocos de medição, disputas locais por definição de limites territoriais ou mesmo de alterações promovidas em trajetos terrestres.
De outra banda, no tocante ao acesso à jurisdição e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não verifico, igualmente, quaisquer máculas àqueles princípios no normativo que ora se propõe modificação (Resolução CJF 603/2019).
Ora, é notória a interiorização da Justiça Federal na 4ª Região, bem como é de conhecimento público que os processos judiciais no referido Regional tramitam em meio eletrônico (eproc), isto é, não por modal físico, de modo que o sistema processual pode ser acessado e utilizado de qualquer lugar pelos procuradores, tanto por meio de computadores quanto smartphones e tablets.
Nesse diapasão, considerando o ora exposto, assim como os avanços impostos durante a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), como, por exemplo, as audiências por videoconferência e as sessões virtuais de julgamento e telepresenciais, assim como perícias em consultórios médicos (não na sede da Subseção) é altamente recomendável a manutenção dos atuais termos da Resolução 603/2019 deste Conselho, de modo a prestigiar a autonomia de cada Tribunal Regional Federal, que, uma vez atento, entre outras variáveis, ao nível de interiorização das suas Seções Judiciárias, ao funcionamento dos seus Juizados Especiais Federais e à virtualização dos seus processos judiciais, saberão decidir pela apuração da distância conforme a tabela do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou mediante a utilização de outra ferramenta disponível.
Por outro lado, não se deve olvidar que a adoção do trajeto terrestre, ao invés do critério de medição por “linha reta” para aferição da abrangência da competência federal delegada poderá resultar em sua ampliação e, nessa medida, no acréscimo de recursos que aportarão para processo e julgamento nas Cortes Regionais e Tribunais Superiores, os quais já estão com sua capacidade de trabalho próxima ou mesmo superior a de seus juízes e servidores.
Isso porque, em última análise, a maximização da competência federal delegada, e, por extensão, do rito ordinário, determina um maior desvio de processos vocacionados aos Juizados Especiais Federais, com a consequente alteração não apenas de procedimento, o que já seria indesejável, mas do respectivo sistema recursal, nos termos do 109, § 4º, da CF: Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
De outra parte, há que se considerar que a tramitação de demandas de mesma natureza e conteúdo econômico em Juízos diversos, um Federal (Juizado Especial Federal) e outro Estadual (segundo o rito ordinário), recrudesce as inegáveis divergências interpretativas a respeito dos benefícios previdenciários, ensejando verdadeira situação de insegurança aos jurisdicionados.
Além disso, a expansão da competência delegada traz reflexos, inclusive, orçamentários no âmbito da Justiça Federal, uma vez que, dada a atuação reduzida do Judiciário Estadual em feitos dessa natureza, há notória dificuldade na nomeação de peritos e fixação de honorários periciais, os quais acabam sendo estabelecidos em patamares bastante elevados, sobretudo em face da impossibilidade de agendamento de exames em bloco, nos termos do § 2º do art. 28 da Resolução CJF n° 575/2019.
A esse respeito, há, inclusive, informação da nota técnica nº 06/2018 do Centro de Inteligência da Justiça Federal.
Nesse horizonte, há que se ter presente que a Lei nº 13.876/2019 foi resultante de um grande esforço interinstitucional da anterior gestão deste Conselho, que antevendo o quadro periclitante da rubrica orçamentária relativa ao pagamento de honorários periciais via AJG, sobretudo após o advento do novo regime fiscal instituído pela EC nº 95/2016, antecipou-se ao colapso desse sistema, e conseguiu junto ao Poder Executivo Federal a absorção de considerável parcela da despesa da Justiça Federal, mediante a garantia do pagamento de, ao menos, 1 (uma) perícia médica por processo judicial em que figurasse o INSS como parte, pelo prazo de dois anos. A propósito, veja-se o que constou da exposição de motivos daquele diploma legal:
No exercício de 2017, o Judiciário Federal dispunha de R$ 172 milhões para a despesa com Assistência Judiciária Gratuita, mas o gasto com essa rubrica foi em valor superior a R$ 211 milhões, o que levou os Tribunais Regionais Federais a cancelar despesas discricionárias de custeio e destinar recursos para o pagamento de perícias realizadas, com exceção do TRF da 4 Região que não conseguiu realocar recursos para essa rubrica.
Já em 2018, a previsão inicial de gasto em AJPC na Justiça Federal foi de R$ 172 milhões. Porém, ao longo do exercício, verificou-se a necessidade de suplementação dessa despesa na ordem de R$ 70 milhões, que foi acrescida por meio da publicação da Lei nº 13.749. de 22 de novembro de 2018.
Os atrasos ou a falta de pagamento de perícias judiciais impossibilitam a manutenção de quadro de profissionais qualificados e interessados na prestação do trabalho.
Quanto ao acesso à Justiça, reprise-se, ao menos no âmbito da Quarta Região, dada a ampla interiorização das Subseções Judiciárias e a praticamente completa virtualização de atos e processos judiciais, não se antevê tenha havido prejuízo às partes e aos seus procuradores por força da compreensão adotada pela Portaria nº 1351/2019, embora, não se olvida, o critério do trajeto terrestre ou rodoviário possa se revelar mais consentâneo com as realidades de outros Regionais.
Cabível, ainda, uma reflexão a respeito da efetiva valia, sob a perspectiva do jurisdicionado e do seu advogado, da permanência do processamento das contendas previdenciárias perante as Comarcas, se comparada à especialidade e celeridade dos Juizados Especiais Federais, cuja eficiência tem propiciado a rápida chegada a termo dessas demandas, conforme a taxa de congestionamento e estatísticas de produtividade dessas unidades jurisdicionais.
Essa questão não passou despercebida pela Lei nº 13.876/2019:
Da análise do processo legislativo que deu origem à Lei nº 13.876/19, os argumentos para mitigar a competência delegada envolveram: (a) maior eficiência da Justiça Federal; (b) possibilidade de utilizado dos Juizados Especiais Federais; (c) maior celeridade na conclusão dos julgamentos; (d) menor custo da máquina pública, notadamente em razão das despesas com perícias e demais despesas processuais ou operacionais em geral. A redução de custos “projetada” em favor da União seria na órbita dos R$ 38,3 bilhões ao longo dos dez anos seguintes. (SCALABRIN, Felipe. A competência delegada da Justiça Federal para a justiça estadual após a Lei nº 13.876/19. Revista Forense, São Paulo, v. 430 p. 6-25).
Portanto, com fundamento nessas considerações, e pedindo vênia ao Relator, não vejo motivos para, ao menos neste momento, ser promovida qualquer alteração na Resolução CJF 603/2019, e, por extensão, na Portaria nº 1351/2019, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Ante o exposto, voto por julgar IMPROCEDENTE o quanto pleiteado, na forma da fundamentação.
Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Conselheiro
VOTO-VISTA Nº 0210926 - PLE - 3ª REGIÃO
O EXMO. CONSELHEIRO DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA: Pedi vista dos autos para melhor análise da matéria posta a deslinde.
Ementa: Competência delegada em matéria previdenciária e assistencial. Estabelecimento de limite de 70km entre o Município sede da comarca da Justiça Estadual e o Município sede da Justiça Federal. Lei nº 13.876/2019. Adoção do critério em linha reta estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica. Preservação do acesso à Justiça. Uniformidade no tratamento de idênticas questões.
I – A competência delegada
A competência delegada constitui forma de mitigação da competência da Justiça Federal, para seu exercício pela Justiça Estadual, considerando a facilitação de acesso do cidadão à Justiça. Dessa forma, há uma exceção à competência da Justiça Federal estabelecida no art. 109 da Constituição da República, especialmente – no que interessa ao presente procedimento – quanto às ações previdenciárias e assistenciais.
Ao tempo da edição da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 109, § 3º, prevê a competência delegada, havia justificativa plausível para excepcionar a regra de que a presença da autarquia previdenciária no polo passivo da ação definiria a competência da Justiça Federal. Naquele momento, a Justiça Federal era centralizada em capitais e em pouquíssimas cidades de grande porte, o que demandava o deslocamento dos jurisdicionados por grandes distâncias para o ajuizamento de suas ações. Essa dificuldade era majorada significativamente nos casos de processos previdenciários e assistenciais, em que os segurados muitas vezes não dispunham de recursos para a contratação de advogados e para se deslocar até a cidade sede da Justiça Federal.
Outro aspecto de suma importância que insta ser considerado é a tramitação dos processos em meio físico. O ajuizamento das ações, o protocolo das petições e o comparecimento às audiências exigiam a presença física do advogado e das partes. A existência de grandes distâncias entre o Município em que residia o jurisdicionado e aquele em que se situava a sede da Justiça Federal significava, à época, obstáculo por vezes instransponível ao acesso à Justiça.
A Justiça Federal, no entanto, passou por profundo processo de interiorização. Hoje, a capilaridade da Justiça Federal espraiou-se por todo o País e se aproximou dos jurisdicionados, deixando de ser inacessível a muitos. Em grande parte do País existe um Município sede de subseção judiciária próximo ao domicílio dos jurisdicionados, o que lhes permite apresentar suas demandas com mais simplicidade. Notadamente nos últimos vinte anos, houve a criação de centenas de subseções judiciárias para acomodar adequadamente a prestação jurisdicional realizada pela Justiça Federal, norteada pela necessidade de absorção de crescente volume de ações e de torná-la mais franqueável aos cidadãos.
Paralelamente, o processo de virtualização da Justiça atingiu níveis impressionantes. Na Justiça Federal tramitam processos quase que exclusivamente em meio digital, a possibilitar que grande parte dos atos processuais não demande deslocamento de partes e advogados.
A tramitação em meio digital, aliada a diversas políticas judiciárias de fomento à prática de atos não presenciais – como o “Juízo 100% Digital”, instituído pela Resolução nº 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça -, permite que todos os atos sejam realizados de forma remota, incluindo realização de audiências e sessões de julgamento por videoconferência.
Nesse contexto, foi editada a Lei nº 13.876/2019, que previu, em seu art. 3º, o quanto segue:
Art. 3º O art. 15 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:
(...)
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;
(...)
§ 1º Sem prejuízo do disposto no art. 42 desta Lei e no parágrafo único do art. 237 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), poderão os Juízes e os auxiliares da Justiça Federal praticar atos e diligências processuais no território de qualquer Município abrangido pela seção, subseção ou circunscrição da respectiva Vara Federal.
§ 2º Caberá ao respectivo Tribunal Regional Federal indicar as Comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III do caput deste artigo.”
A questão foi disciplinada por este E. Conselho da Justiça Federal por intermédio da Resolução nº 603, de 12 de novembro de 2019, que, a fim de estabelecer critérios uniformes para evitar distorções no tratamento da matéria entre os Tribunais Regionais Federais, estabelece, em seu art. 2º:
Art. 2º. O exercício da competência delegada é restrito às comarcas estaduais localizadas a mais de 70 quilômetros do Município sede da vara federal cuja circunscrição abranja o Município sede da comarca.
§ 1º. Para definição das comarcas dotadas de competência delegada federal na forma do caput deste artigo, deverá ser considerada a distância entre o centro urbano do Município sede da comarca estadual e o centro urbano do Município sede da vara federal mais próxima, em nada interferindo o domicílio do autor.
§ 2º. A apuração da distância, conforme previsto pelo parágrafo anterior, deverá considerar a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ou em outra ferramenta de medição de distâncias disponível.
Definiu-se, pois, que a distância de 70 quilômetros observaria a tabela de distâncias indicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE ou outra ferramenta de medição de distâncias disponível, estabelecendo o como critério a linha reta entre os Municípios e não a distância rodoviária entre eles.
Vale transcrever o seguinte excerto do voto condutor que culminou na edição da Resolução CJF nº 603/2019, proferida pela então Corregedora-Geral da Justiça Federal, Ministra Maria Thereza de Assis Moura:
“Sopesadas as expressões legais e partindo de uma interpretação literal da novel disposição, quero crer que o mais adequado é considerar é a distância entre a cidade sede da comarca estadual e a cidade sede de vara da justiça federal mais próxima. Não há que se levar em conta o domicílio do autor, pois a lei fala em comarca, que, de acordo com as leis de organização judiciária dos estados, pode abranger - e, via de regra, abrange - mais de um município. Também não se deve buscar os limites municipais ou da comarca, porque seriam trazidos pontos de vista subjetivos, passíveis de questionamento e, por isso, com forte potencial para incremento da judicialização das discussões daí advindas.
A fim de se verificarem as distâncias, vejo adequado buscar socorro em informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, afinal é órgão oficial que “tem como missão retratar o Brasil, com informações necessárias ao conhecimento da sua realidade e ao exercício da cidadania, por meio da produção, análise, pesquisa e disseminação de informações de natureza estatística - demográfica e sócio-econômica, e geocientífica - geográfica, cartográfica, geodésica e ambiental” (Decreto n. 4.740, de 13 de junho de 2003, Anexo I, art. 2º). Na ausência de dados do IBGE, também sobressai possível a utilização de alguma outra ferramenta de medição de distância disponível.”
No presente pedido de providências questiona-se a eleição do critério de linha reta entre os Municípios, adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Portaria nº 1.351/2019), pleiteando-se a substituição pelo critério da distância rodoviária.
No entanto, são vários os argumentos favoráveis à manutenção do atual critério de linha reta entre os Municípios, como forma de garantir o tratamento isonômico a questões similares e estabelecer critérios objetivos para a definição da competência, sem malferir o princípio constitucional do amplo acesso à Justiça.
II – A definição de critérios objetivos
A eleição do critério da distância em linha reta, em vez da distância rodoviária, atende a necessidade de estabelecer parâmetros objetivos, previsíveis e uniformes para a definição da competência. Ao se fixar a distância em linha reta, o segurado já sabe de antemão em qual Justiça deverá ajuizar a ação, e esse fator não sofrerá alterações com o passar do tempo.
O estabelecimento da distância rodoviária está sujeito a diversas vicissitudes que podem tornar aleatória a definição do juízo competente. Os aplicativos de rotas e distância – como Google Maps, Waze, Here Maps, GPZ Brasil, Tom Tom Go e Maps.me - levam vários e distintos aspectos em consideração para definir a distância entre localidades e, como consequência, não permitem perenizar a determinação da competência, em evidente prejuízo da segurança jurídica. Todos eles dispõem de variadas possibilidades de distância, com rotas mais curtas, mais rápidas e, até mesmo, bloqueios da rota que alteram o intervalo entre os Municípios. Qual rota deveria ser eleita, entre todas, para definir a distância? Quem o faria? E se o critério for eleito, seria lícito permitir ao segurado questionar permanentemente o intervalo?
Imagine-se, pois, tornar volátil e aleatório o estabelecimento da distância entre os 5.570 Municípios existentes no Brasil. Tal fato tem o enorme potencial de gerar infinidade de conflitos de competência, com impacto no andamento e julgamento de feitos que, por sua própria natureza, demandam solução célere. Isso seria agravado, ainda, pelo fato de ser um critério dinâmico, o que permite concluir que a decisão proferida nesses conflitos de competência poderia ser revista a qualquer tempo.
Todos aqueles que trabalham no dia a dia da matéria previdenciária e assistencial têm a ciência do prejuízo ao andamento dos processos gerados pelos conflitos de competência . Os cidadãos e segurados que dependem das prestações para sua subsistência têm de aguardar por longos períodos apenas para que se defina quem deverá julgar seu conflito.
Estar-se-ia, pois, a substituir critério estático de definição de competência, de todo desejável, por u critério dinâmico, que fatalmente constituiria prejuízo ao próprio segurado.
III – Necessidade de manutenção de interoperabilidade entre sistemas distintos e feitos em processamento em meio físico
A manutenção da competência delegada em níveis mais dilargados, além disso, impõe aos Tribunais Regionais Federais o estabelecimento de interoperabilidade entre sistemas processuais distintos quando os feitos já tramitam em meio digital na Justiça Estadual, o que nem sempre é simples de se concretizar, porquanto depende de providências pelos Tribunais de Justiça.
Contudo, ainda existem processos que tramitam em meio físico na Justiça Estadual, ao passo que a digitalização na Justiça Federal já atingiu quase a totalidade dos feitos. Isso também exige trabalho duplicado dos Tribunais Regionais Federais para a digitalização e inserção no sistema processual, com devolução dos suportes físicos à Justiça Estadual, o que envolve elevados custos de remessa às varas de origem.
IV - Mesma espécie de ações adotando ritos absolutamente distintos
Outro ponto a ser sopesado é o procedimento a que se submeterá o processo no caso da definição da competência na Justiça Federal. Com efeito, a imensa maioria dos processos que envolvem matéria previdenciária e assistencial possui valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, o que determina a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento dos feitos, nos termos do art. 3º da Lei nº 10.259/01.
O Juizado Especial Federal possui procedimento extremamente simplificado, que permite o julgamento célere dos processos. Aliás, como grande parte do volume de processos em tramitação nos Juizados Especiais Federais é de matéria previdenciária e assistencial, essas unidades estão plenamente adaptadas e familiarizadas com conflitos dessas espécies, inclusive no que tange à realização de perícias médicas e assistências em grande volume, de forma a permitir ao segurado e ao cidadão resposta jurisdicional rápida e segura.
A tramitação do feito pela Justiça Estadual, por outro lado, observará o rito processual comum, com ritualística por vezes desnecessária a essa espécie de conflito, o que a torna mais lenta e burocrática . Acrescente-se, ainda, que o feito se submeterá à sistemática recursal comum, com muito mais possibilidade de impugnação ao longo do processo.
Veja-se que, também por este prisma, torna-se muitíssimo mais vantajoso ao segurado propor suas ações na Justiça Federal.
Um último aspecto a ser considerado refere-se ao diálogo interinstitucional que se estabelece de maneira mais franca e fluida entre a Justiça Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social, a facilitar o intercâmbio de informações, a celeridade nas comunicações processuais, a rapidez na implantação dos benefícios e a concretização de fluxos mais racionais de tramitação processual. Essas relações decorrem do fato de ser o Instituto Nacional do Seguro Social o maior litigante da Justiça Federal e, em consequência, existir maior aproximação em decorrência de interesses comuns.
Apenas à guisa de exemplo, entre diversos projetos comuns, podemos citar a Pauta Incapacidade, que constitui fluxo de processos que envolvem benefícios por incapacidade estabelecido com a participação do Instituto Nacional do Seguro Social e a Justiça Federal de São Paulo. Por intermédio desse fluxo, permite-se a solução consensual dos processos e a implantação quase imediata dos benefícios previdenciários, atingindo altíssimos índices de resolução dos conflitos por acordo. Dessa forma, aproximadamente 60% dos processos com laudos médicos positivos são concluídos pela conciliação, com evidentes benefícios aos jurisdicionados.
Por fim, vale referir que o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema nº 820 da repercussão geral, recentemente cuidou da questão da competência delegada como exceção à competência da Justiça Federal, sem tocar no aspecto objeto do presente Pedido de Providências.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 860.508 – Tema nº 820 – o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “A competência prevista no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, da Justiça comum, pressupõe inexistência de Vara Federal na Comarca do domicílio do segurado”. Com efeito, ao fixar a tese, o Supremo apenas reafirmou que a competência da Justiça Federal somente será excepcionada se o Município sede da comarca da Justiça Estadual estiver localizado a mais de 70 quilômetros do Município sede da Justiça Federal. No entanto, em nenhum trecho do voto condutor do julgado, o STF adota como válido ou preferencial o critério da distância rodoviária em detrimento da distância em linha reta.
Vale transcrever o excerto do voto do E. Relator, Ministro Marco Aurélio, no único momento em que faz referência à Lei nº 13.876/19:
A confirmá-la, tem-se a exceção prevista no § 3º do dispositivo em exame:
“Art. 109. [...][...]§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)”
Interpreta-se exceção de forma estrita. É o que se contém no preceito que a contemple, e nada mais.
Extrai-se do processo que o distrito de Itatinga está compreendido na Comarca de Botucatu. Nesta, existe juizado especial federal, ou seja, o Juizado Especial Federal de Botucatu, da 31ª Subseção da Seção Judiciária do Estado de São Paulo. Pouco importa que o local da residência do segurado não conte com Vara Federal. O que cumpre, tal como previsto no § 3º do artigo 109, é saber se, na comarca, existe, ou não. A resposta é positiva, no que a Comarca de Botucatu possui Vara Federal. Frise-se que o distrito de Itatinga, domicílio da segurada recorrida, está a 37 quilômetros do Município de Botucatu, onde existente Juízo Federal. Então, a distância é quase a metade do limite previsto na Lei nº5.010/1966, no inciso III do artigo 15, considerada a redação decorrente da Lei nº 13.876/2019.
Pois bem. A referência à distância entre Itatinga e o Município de Botucatu tomou por base a distância rodoviária, mas tal aspecto fático, à evidência, não constitui a ratio decidendi do precedente referido. Constitui argumento periférico e eventual que não se confunde com as razões determinantes e resolutivas que conduziram à fixação da tese.
Acrescente-se que o voto sequer faz referência ao ato normativo editado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região – origem do acórdão objeto de recurso extraordinário – e que adota o critério de linha reta para a distância entre os Municípios, o que demonstra que tal aspecto é desimportante para a fixação da tese pela Corte Suprema. Ainda que o recurso seja anterior à Lei nº 13.876/2019, o julgamento ocorreu posteriormente à sua edição e a ela faz referência expressa.
Portanto, é imperiosa a conclusão no sentido de que não há decisão expressa e inequívoca proferida pelo E. Ministro Relator acerca da adequação do critério da distância rodoviária
Ademais, a interpretação teleológica da norma constitucional não permite concluir pela preferência da adoção do critério da distância real. Como já exposto ao início do presente voto-vista, a estrutura da Justiça Federal passou por imenso crescimento ao longo dos anos e, se o que se pretendia com a exceção à competência delegada era garantir o acesso do jurisdicionado à Justiça, hoje tal acesso é igualmente assegurado ao se devolver ao ramo da Justiça originalmente competente esse volume de ações. No plano infraconstitucional, a coexistência da competência da Justiça Federal e Estadual para o julgamento da mesma matéria impõe que se adotem critérios objetivos e estáveis para que o acesso à Justiça competente se dê de maneira previsível e segura.
Por conseguinte, sob um primeiro ponto – a estabilidade dos critérios de determinação da competência –, a manutenção da linha reta como fundamento para estabelecer a distância entre os Municípios entremostra-se mais adequada, seja pela segurança quanto à sua observância pelas partes, seja pela previsibilidade do órgão jurisdicional competente para o julgamento dos feitos, sem vulnerar o princípio constitucional de amplo acesso à Justiça sob a vertente material. Sob outro aspecto, como a adoção desse critério mantém maior número de Municípios fora do exercício da competência delegada pela Justiça Estadual, há inegáveis vantagens no julgamento dos feitos previdenciários e assistenciais pela Justiça Federal, que é o ramo da Justiça originariamente competente e estruturalmente conformado para dirimir conflitos dessa natureza.
Diante do exposto, voto no sentido de acompanhar a divergência.
Desembargador Federal MAIRAN MAIA
Conselheiro
DECLARAÇÃO DE VOTO Nº 0214846 - PLE - 5ª REGIÃO
O EXMO. CONSELHEIRO DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: Com o devido respeito ao voto-vista, brilhantemente proferido pelo Des. MAIRAN MAIA, ouso divergir.
No trato da matéria, não se afigura possível esquecer que a Lei nº 13.879/2019, a qual conferiu nova redação ao art. 15, III, da Lei nº 5.010/66, foi editada em face da inovação que, quanto ao tema (delegação da competência da Justiça Federal), adveio com a Emenda Constitucional nº 103/2019.
Essa, ao transferir ao legislador a autorização para a delegação de competência para a Justiça dos Estados, permitindo-lhe o processo e julgamento das questões de natureza previdenciária, embora tenha enveredado por uma concepção restritiva quando comparada com o modelo anterior, preservou o instituto da competência delegada.
E assim o fez, evitando eliminar o instituto, justamente para facilitar o acesso do cidadão à justiça, permitindo que este possa optar, nas situações onde verificada uma razoável distância entre o seu domicílio e os centros urbanos que possuem sede de vara federal, pelo ajuizamento de sua demanda, de natureza previdenciária, perante o juízo de direito competente.
Diante disso, sou de que o estabelecimento do melhor critério para a aferição da distância legal deve, antes de tudo, observar a realidade, ou seja, os fatores reais acerca da acessibilidade do cidadão ao Judiciário. Daí deverem, para a fixação do marco de setenta quilômetros, ser consideradas preferencialmente os espaços que são computados com base nas vias de acesso e não somente na abstração do distanciamento entre os centros urbanos. Assim laborou o Tribunal Regional Federal da Quinta Região mediante o Ato nº 229/2020.
Essa solução – frise-se – ressai benéfica para a grande maioria dos interessados, os quais, segurados do RGPS, não dispõem, na sua grande maioria, dispõem de elevados recursos, inclusive quanto à sua locomoção para centros de maior densidade populacional, a justificar que demandem na jurisdição de seus domicílios.
Não vislumbro – com o acentuado respeito – ofensa à segurança jurídica ou à competência do IBGE em assim se decidir, privilegiando-se a distância real. A proposta, tal como redigida, não desconsidera os dados colhidos de fontes oficiais, as quais, muitas vezes, baseiam-se em ferramentas estatuídas pela evolução científica. O próprio art. 2º da Lei nº 5.878/73 dispõe que a competência daquela fundação pública, relativa à elaboração de informações, estudos de natureza estatística, cartográfica e demográfica, volta-se ao conhecimento da realidade física, econômica do País, anelo ao qual a proposta aqui sob apreço não visa afastar, mas, antes, fortalecer.
Com essas considerações, VOTO por acompanhar o relator, com as vênias de estilo à bem esgrimida divergência, retificando o voto anteriormente proferido pelo Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho.
Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JUNIOR
Conselheiro
DECLARAÇÃO DE VOTO Nº 0214900 - PLE - 2ª REGIÃO
O EXMO. CONSELHEIRO DESEMBARGADOR FEDERAL MESSOD AZULAY NETO: Pedindo vênia aos Conselheiros que acompanharam a divergência instaurada no voto proferido pelo Conselheiro Victor Luiz dos Santos Laus, venho retificar o voto anteriormente proferido pelo Des. Fed. Reis Friede e, por sua vez, acompanhar o Relator, pelas razões que passo a expor.
Inicialmente, registre-se ser salutar a uniformização entre os Tribunais Regionais Federais a respeito do critério a ser utilizado para a fixação do marco de setenta quilômetros previsto na Lei nº 13.879/2019, uma vez que a sua indefinição gera situação anti-isonômica entre cidadãos das diferentes regiões.
Noutro giro, é imprescindível que à Lei nº 13.879/2019 seja conferida interpretação teleológica à luz do direito fundamental do acesso à justiça previsto no inciso XXXV, do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, de modo que todos os brasileiros tenham a possibilidade de pleno acesso ao Poder Judiciário e à Justiça.
Sabe-se que existem inúmeros obstáculos para que a sociedade brasileira tenha o efetivo acesso à justiça, os quais se apresentam de forma ainda mais acentuada quando se trata das classes menos favorecidas. Nessa toada, as normas constitucionais e infraconstitucionais sempre devem ser interpretadas de forma a favorecer o acesso das referidas classes, não tornando mais dificultoso e tormentoso o caminho para a busca do Poder Judiciário.
A esse respeito, o Min. Alexandre de Morais, em seu voto vista proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 860.508 pelo STF, onde foi firmada a tese de Repercussão Geral nº 820, bem pontou a questão à luz da discussão então travada no referido julgamento:
“(...) quanto às questões constitucionais relativas ao acesso ao Judiciário entendo que devem ser interpretadas sempre de maneira a favorecer o acesso aos menos favorecidos, e nunca de forma a dificultá-lo, em sintonia com os demais princípios e garantias estabelecidos pela Lei Maior. Desse modo, entendo que o pressuposto fático constante do art. 109, § 3º, da Constituição Federal, a respeito de ações previdenciárias ajuizadas pelo segurado ou beneficiário do INSS, deve ser o mais abrangente possível, de modo a facilitar o acesso daqueles beneficiários menos favorecidos, os quais por vezes residem em localidades distantes dos grandes centros urbanos onde se encontram as Varas da Justiça Federal”.
No caso em análise, aferir os 70 km estabelecidos pela Lei n. 13.876/2019 através do critério em linha reta, conforme disposto na Resolução 603/2019 do CJF, representa ignorar a penosa situação da maioria dos jurisdicionados que precisam se deslocar por rodovias, enfrentando a real distância para usufruir do serviço público judicial federal. De fato, o critério adotado pelo Relator com base na distância real de deslocamento garante aos cidadãos o pleno acesso à justiça, especialmente, no que toca aos feitos de matéria previdenciária, tendo em vista que, sabidamente, a maioria dos segurados do regime geral da previdência social é hipossuficiente e residente em áreas de dificultosa locomoção.
Ante o exposto, VOTO por acompanhar o relator, com as devidas vênias, retificando o voto anteriormente proferido pelo Desembargador Federal Reis Friede.
É como voto.
Desembargador Federal MESSOD AZULAY
Conselheiro
Ministro JORGE MUSSI
Vice-Presidente e Corregedor-Geral da Justiça Federal
Relator
Ministro HUMBERTO MARTINS
Presidente
Autenticado eletronicamente por Ministro JORGE MUSSI, Vice-Presidente e Corregedor-Geral da Justiça Federal, em 03/05/2021, às 16:32, conforme art. 1º, §2º, III, b, da Lei 11.419/2006. |
Autenticado eletronicamente por Ministro HUMBERTO EUSTÁQUIO SOARES MARTINS, Presidente, em 04/05/2021, às 12:15, conforme art. 1º, §2º, III, b, da Lei 11.419/2006. |
| A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://sei.cjf.jus.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0 informando o código verificador 0216764 e o código CRC D9C8DCB2. |
Processo nº0000435-61.2020.4.90.8000 | SEI nº0216764 |